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Quando o investimento privado na educação pública não dá conta certa

Em 2014, o economista francês Thomas Piketty entrou na lista dos best-sellers mais populares com um livro de peso, «Capital in the Twenty First Century». Não é habitual que um texto académico como este seja considerado leitura “essencial” nas livrarias de aeroportos.
A que se deveu o extraordinário e repentino sucesso de Piketty? Em parte, foi porque o economista rompeu com as ideias dos colegas neoclássicos, que desde 1980 têm influenciado as agendas políticas em todo o mundo. Com base nas obras de Adam Smith, defenderam que um mercado livre levaria a uma maior produção de riqueza e que esta se espalharia a toda a sociedade, num efeito em cascata.
No entanto, Piketty mostra precisamente o contrário. E não está sozinho nesta conclusão – em 2014, as publicações da OCDE confirmam a sua análise: a riqueza não só fluiu para cima como, agora, a grande riqueza está concentrada numa pequena percentagem (1%), enquanto as classes média e trabalhadora perderam terreno significativo em termos de quota de riqueza.
O que caracteriza os países mais desiguais? Todos eles, desde os anos 1980, abraçaram políticas neoliberais. De uma sociedade relativamente mais igualitária, na década de 1970, os Estados Unidos da América (EUA) são agora mais desiguais na distribuição da riqueza e do rendimento do que em qualquer outro momento do século passado. E este é, também, o caso do Reino Unido, de Portugal e de Espanha.
Joseph Stiglitz – Nobel da Economia, ex-economista-chefe do Banco Mundial – descreveu recentemente este conjunto de políticas como um completo fracasso, na medida em que produziu uma sociedade mais desigual. Da mesma forma, Paul Krugman, outro Nobel de Economia, mostrou que cada vez que nos EUA houve cortes de impostos para os ricos, isso levou a um declínio na produtividade económica; quando foram aumentadas as taxas de impostos aos mais ricos, verificou-se crescimento económico.

O modelo de mercado. Contudo, desde os anos 1980, muitos governos em todo o mundo adotaram a agenda da privatização baseada no mercado. E a Educação não ficou de fora. Aquilo com que os países se têm comprometido tem uma lógica específica: a educação será mais eficiente se operar de acordo com as regras da concorrência – escolha, padrões, informações sobre desempenho, etc., levando a uma melhor qualidade – e que as empresas fornecem serviços e mercadorias de forma mais eficiente do que os governos, levando à redução de custos.
Os mecanismos típicos para desenvolver este modelo baseado no mercado incluem cheques-ensino, parcerias público-privado, academias, escolas privadas, ensino baseado no mercado e prestação de contas baseada na avaliação. A assunção que guia o modelo é que a gestão privada (se não mesmo a propriedade), pouco regulada, vai produzir melhores resultados de aprendizagem.
O problema com este modelo – por exemplo, os baixos níveis ou mesmo não tributação para os ricos, a tolerância para com os paraísos fiscais, as isenções fiscais para os residentes não-domiciliados, cortes nas taxas fiscais para as fundações – é que a educação pública diz na etiqueta: pública e dependente de redistribuição estatal.
E quando aqueles que ganham ou possuem a maior parte da riqueza não pagam a sua parte dos impostos, o Estado gasta mais do que recebe – contraindo mais empréstimos para pagar a conta – ou deixa que a carga fiscal caia ainda mais sobre as famílias de classe média e trabalhadora, as menos capazes de assumir uma fatia maior dos impostos em relação às receitas e despesas.
O modelo de mercado também tem sido promovido por interesses privados que veem aí uma oportunidade para lucrarem com a prestação de serviços de educação – como gestores e fornecedores de escolas ou com a avaliação externa e outros serviços centrais. No entanto, a tentação de excluir tipos especiais de crianças, porque os seus resultados nos testes são suscetíveis de ser mais baixos, ou de escolher os estudantes de quem é esperado um elevado desempenho significa, também, que a educação pública pode não ser já ‘a educação pública’, mas um setor que pode ser explorado para lucro privado.

Evidência é bastante dura. O modelo de mercado pode ser contrastado com um modelo de investimento público – um sistema de educação global, assente no acesso universal, na igualdade e na preparação dos cidadãos para uma sociedade económica e política no seu todo.
Os mecanismos para garantir a qualidade incluem a formação de professores de grande qualidade, o financiamento equitativo às escolas, infraestruturas de alta qualidade e uma pedagogia que considere a criança no seu todo. A lógica dos resultados é a da propriedade pública, responsabilidade pública e processos democráticos de prestação de contas, para assegurar melhor qualidade do ensino e de ambientes de aprendizagem para professores e alunos e, assim, melhores resultados de aprendizagem.
No modelo forte de investimento do Estado, este é capaz de se apoiar num sistema de tributação progressiva, a fim de investir no interesse público, em vez de depender das famílias para encontrar os recursos para os investimentos nos indivíduos, inevitavelmente desiguais.
Então, para que evidência poderemos olhar para ver a diferença entre a ideologia e as evidências do que se refere ao modelo de governação para o fornecimento de uma educação socialmente justa? Podemos fazer as contas de somar, mas o que é que elas adicionam? Num livro sobre o assunto, Frank Adamson, Bjorn Astrand e Linda Querida-Hammond demonstram as diferenças entre um modelo fraco de Estado-mercado, e um modelo forte de investimento do Estado. Emparelhando a Finlândia com a Suécia, o Chile com Cuba, os EUA com Ontário (Canadá), os autores apontam uma série de conclusões sobre cada modelo. A evidência é bastante dura. Eles mostram que, quando fazemos contas e adicionamos a evidência, nenhum país mostra melhoria de resultados dimanada do modelo de investimento de mercado. Ao contrário, ao longo do tempo, as desigualdades profundamente arraigadas começam a revelar-se de tal maneira que todo o sistema sofre.

Cálculo não é difícil. Esta realidade levou o economista da Educação Martin Carnoy (Universidade de Stanford) a argumentar que “os aspetos negativos da desigualdade e dos mercados, especialmente à medida que acontecem na parte de baixo da escala social, parecem eliminar os eventuais efeitos positivos da liberdade de escolha das escolas por parte dos pais”.
Da mesma forma, os Estados norte-americanos com melhores desempenhos globais têm estado menos envolvidos na privatização, enquanto os que levam a cabo reformas não reguladas, com base no mercado, têm tido pior desempenho global. Porquê? Quais são as dinâmicas em funcionamento?
O professor Marius Busemeyer e os seus colegas da Universidade de Konstanz (Alemanha) dão parte da resposta. Argumentam que se as elites favorecem a educação privada por causa dos benefícios daí derivados, e se os grupos de baixos rendimentos preferem sistemas mais socializados por causa dos benefícios que o sistema público lhes traz, muito depende da existência de uma cláusula fácil de não-aceitação ou de aceitação de incentivos para as classes médias no que diz respeito ao modelo de investimento estatal versus modelo de mercado.
As classes médias são mais propensas a aceitar o modelo de investimento do Estado se nele virem alguma vantagem. Mas isto tem benefícios para as classes trabalhadoras, uma vez que a classe média é politicamente propensa a trabalhar arduamente para uma educação pública melhor e, neste caso, há um efeito em cascata (assumindo que não existem sistemas de rastreamento em prática), porque uma escola diversa funciona melhor para os que têm menos recursos.
É claro que os interesses privados em educação pública simplesmente não dão conta certa! E as somas não são assim tão difíceis de calcular – é uma questão de vontade política, na medida em que as evidências de que os modelos de mercado são divisionistas e divisores são cada vez mais convincentes. Um sistema educativo comprometido com um modelo de investimento público, e não com um modelo de mercado privado, não só teria um efeito radical na política, como também iria levar a níveis maiores de produtividade económica e de igualdade social. E não apenas para uma pequeníssima elite. É precisamente por isto que vale a pena lutar!

Susan Robertson


  
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