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Educação e Cultura: disputas pelo território escolar

É preciso questionar se um currículo comum a todo o Brasil pode dar conta dos saberes que engendram as diferentes culturas que compõem o cenário nacional.


É preciso questionar se um currículo comum a todo o Brasil pode dar conta dos saberes que engendram as diferentes culturas que compõem o cenário nacional. O lugar da cultura no currículo da educação básica brasileira, hoje, é um tema controvertido, objeto de um conturbado debate. Uma das metas do Plano Nacional de Educação é “promover a relação das escolas com instituições e movimentos culturais, a fim de garantir a oferta regular de atividades culturais para a livre fruição dos alunos dentro e fora dos espaços escolares, assegurando ainda que as escolas se tornem polos de criação e difusão cultural”. Em consonância, a proposta da Base Nacional Comum Curricular reconhece as artes como linguagens necessárias à educação formal, uma vez que “ler e produzir uma crônica, assistir a um filme ou a uma apresentação de dança, jogar capoeira, fazer uma escultura ou visitar uma exposição de arte são experiências de linguagem”.
Impulsionado por tais concepções, e com o objetivo de promover o debate acerca da valorização da experiência educativa nos e para além dos espaços escolares e da vinculação da escola com as práticas sociais e culturais, o Ministério da Cultura criou uma Secretaria de Educação e Formação Artística e Cultural, que promoveu o Encontro de Cultura e Artes no Currículo: Saberes, Artes & Territórios, reunindo gestores públicos, educadores, agentes culturais, conselheiros e outros intelectuais. Partiu-se da suposição de que os variados relatos de práticas artísticas e culturais na educação escolar permitiriam pensar a reestruturação curricular de forma interdisciplinar.
Contudo, o encontro evidenciou profundas tensões entre esses dois campos, sobretudo no que tange à formulação de uma política nacional de integração entre educação básica e cultura. Mais do que consolidar o ensino formal das artes, democratizar o acesso aos bens culturais e oportunizar ferramentas para a criação e produção cultural aos sujeitos escolares, o que estava em permanente pauta eram as disputas entre diferentes concepções de cultura e de educação. Como importantes dimensões políticas, educação e cultura passam, pela primeira vez no país, a ser entendidas como objeto de direitos constitucionais de todos os cidadãos, tornando-se, assim, pauta da agenda política nacional.

Que currículo? Dois reconhecidos teóricos da atualidade têm se debruçado sobre estas questões. Stuart Hall chama a atenção para as transformações nas sociedades contemporâneas que conferiram centralidade à cultura. Alinhado a esta visão, George Yúdice volta-se para as transformações do capitalismo que provocaram alterações nos usos da cultura, convertendo-a em recurso. A cultura seria convenientemente acionada para promover a cidadania na escola e fazer do professor um gestor cultural.
Yúdice pondera que o currículo escolar deveria englobar reflexões sobre políticas culturais, contemplando os valores culturais e sociais, aspectos da produção e difusão cultural, mecanismos de reprodução cultural e distinção. Assim, deveríamos buscar construir um currículo que, integradamente com seus objetivos cognitivos, trate também da cidadania, da origem dos valores, dos modos de ser, dos processos de integração social, das culturas populares e regionais, do patrimônio intangível e midiático.
Diante de tais reflexões e embates conceituais e sociopolíticos, é preciso questionar se um currículo comum a todo o Brasil poderia dar conta dos saberes que engendram as diferentes culturas que compõem o cenário nacional. Seria possível que tal pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas efetivamente transponha as barreiras e limites de um currículo escolar?
Estaria o país preparado para construir novas possibilidades de conteúdos curriculares articulados com atividades de aprendizagem relacionadas às artes e às culturas locais? Haveria espaço e voz para os diferentes sujeitos do saber, compreendendo a cultura enquanto patrimônio e território de saberes, composta por uma pluralidade de expressões artísticas e culturais?
A meu ver, estas são questões que atravessam as concepções de currículo e as propostas curriculares contemporâneas em vários países. No entanto, parece que ainda não conseguimos vislumbrá-las adequadamente como focos centrais de nossas preocupações educativas.

Simone Luz


  
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