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Relações étnico-raciais em perspectivas da América Latina

Na perspectiva do bem viver, as constituições nacionais da Bolívia e do Equador garantem direitos tanto aos humanos como à natureza.

A educação das relações étnico-raciais em suas mais profundas consequências visa educar para a vida social plena. Na perspectiva dos povos nativos da América Latina, também dos descendentes de africanos escravizados entre os séculos XVI e XIX, relações étnico-raciais, como qualquer relação social, não se restringem a intercâmbios entre pessoas. Essas relações incluem vivências e convivências entre mulheres e homens de diferentes grupos sociais, faixas etárias, pertencimento étnico-racial, assim como desses com o ambiente do qual fazem parte, incluída, é claro, a natureza.
Milton Santos, notável geógrafo brasileiro ensina que “a natureza é um valor e ela não é natural no processo histórico. Ela pode ser natural na sua existência isolada, mas, no processo histórico, ela é social”. Explica ele que se valoriza a natureza em função da história da sociedade e do valor que a ela se atribui, enquanto um bem econômico ou enquanto integrante viva da sociedade. “O fato é que os agravos à natureza são sobretudo originários do modelo de civilização que adotamos” [Território e sociedade, Fundação Perseu Abramo, 2000].
Os povos originários da América Latina se valem da expressão bem viver, fundada em conhecimentos, sabedoria, experiências de vida muito distintos daqueles impostos pelos colonizadores de seus territórios e culturas desde o século XVI.

Viver bem. Assim, o bem viver compreende experiências e perspectivas que valorizam igualmente tanto a vida dos humanos como de todos outros elementos da natureza. O bem viver exige viver em complementariedade, defender identidades, compartilhar, trabalhar com e para a comunidade. Implica saber viver os ciclos da vida, saber comer, beber, dançar, trabalhar, proteger as sementes, a água, ouvir as experiências dos mais velhos, contribuir para o bem estar de todos [David Choqueuanca, em www.avizora.com/atajo/informes/bolivia_textos/0067, e Margot Bremer em www.conapi.or.py/interna.php?id-187]
O bem viver contraria veementemente o desejo dos colonizadores de territórios, corpos e mentes de ver apagada da memória tanto dos povos originários, como dos afrodescendentes, os seus ancestrais, tradições, conhecimentos, criatividade, sabedoria. Como se vê, povos originários e negros sobreviveram à invasão, à escravização, nunca tendo sido totalmente assimilados, aniquilados.
O bem viver numa perspectiva afrodescendente, nas Américas, tem sido expresso pelo termo ubuntu, que, em línguas bantus, significa a vida plena do que forma uma comunidade – “os ancestrais, os que estão vivos e os que ainda não nasceram. Integradamente todos têm a capacidade de criar, inventar e usar toda a capacidade para deixar o que herdamos de nossos ancestrais – a comunidade, os bens, o meio ambiente e toda a cultura – mais belas, belos, confortáveis e funcionando adequadamente para os que virão” [Renato Noguera. Ubuntu como modo de existir: elementos gerais para uma ética afroprespectiva. Revista da ABPN, 2011].
Ao longo do século XX, diferentes países na América Latina têm reconhecido e valorizado a importância do significado do bem viver para suas sociedades, e nessa perspectiva têm formulado políticas educacionais de ações afirmativas, tanto curriculares como de reserva de vagas.

Petronilha Gonçalves e Silva


  
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