Os últimos anos de governação foram um verdadeiro laboratório sobre como retirar relevo e autonomia aos docentes. Precisamos de professores apoiados e fortalecidos para enfrentarem os complexos problemas do quotidiano escolar.
António Sampaio da Nóvoa publicou em 1987 um ensaio notável e seminal – «O tempo dos professores» [Le temps des professeurs: analyse socio-historique de la profession enseignante au Portugal, sec. XVIII-XX]. Trata-se de um livro de leitura indispensável que, além de traçar a evolução da profissão docente ao longo de 300 anos, mostra como os professores surgiram e como à custa de longos e penosos processos se puderam afirmar como classe profissional indispensável ao(s) desenvolvimento(s) humano(s). Mesmo recentemente não deixaram de aparecer dúvidas sobre o caráter imprescindível da profissão de professor. Lembro, por exemplo, que quando surgiram as primeiras e desastradas experiências de introdução das tecnologias digitais na Educação, havia teóricos que profetizavam o desaparecimento dos professores a curto prazo, porque seriam substituídos – segundo eles com vantagem – pelos computadores. Dizia-se, para anunciar o admirável mundo novo dos computadores na Educação que eles eram mais pacientes do que os humanos (aqui havia uma incompreensível confusão entre ser paciente e ser repetitivo...), mais disponíveis, mais versáteis, etc. Certo é que cedo se verificou que todas estas vantagens eram inúteis se não existisse um professor que contextualizasse as aprendizagens, que explicasse as suas dificuldades e implicações; um professor, enfim, que falasse humanamente com os alunos. Assistimos ainda hoje a outras tentativas de subalternizar o papel dos professores. Deixo outro exemplo: há países em que as entidades responsáveis pela Educação compram a empresas privadas o currículo, os materiais, os livros e mesmo a supervisão do processo educativo. Este franchising educacional leva a que o professor se converta num mero entregador do currículo, tendo somente de seguir e cumprir rigorosa e atempadamente os planos que a empresa fez. Tem-se chamado a este modelo “currículo à prova de professor”. Segundo o planeado, o modelo só pode não funcionar se o professor não cumprir obedientemente os ritmos, os conteúdos planeados e não usar os materiais que lhe são fornecidos. Muitos mais exemplos poderiam ser dados de tentativas – felizmente mal sucedidas – de substituir o professor, de acabar com o “tempo dos professores”, como lhe chamou Sampaio da Nóvoa. O facto de estes exemplos caricaturais terem sido desmontados não deve esmorecer a nossa vontade de encontrar respostas para a questão de como se pode reforçar e valorizar o trabalho dos professores.
Inverter o rumo. Os últimos anos de governação foram um verdadeiro laboratório sobre como retirar relevo e autonomia aos professores. Muitos aspetos se poderiam evocar, mas refiro três que me parecem mais importantes. Os professores tornam-se mais fortes quando se reforça a autonomia e a possibilidade de gerirem o seu trabalho pedagógico. Isto quer dizer que currículos extraordinariamente extensos e complexos vão engessar o professor e retirar-lhe tempo e disponibilidade para usar com os alunos outros métodos que não os estritamente transmissivos. Com currículos assim escasseia tempo para que os alunos aprendam a resolver questões em grupo, para apoiar os alunos que descolem da velocidade de cruzeiro a que são transmitidos os currículos e não permite qualquer veleidade de interdisciplinaridade ou mesmo de aplicação a contextos reais. A tão criticada opção governamental de reforçar os exames faz parte deste problema: as escolas usam a desculpa dos exames para justificarem práticas ainda mais tradicionais e conservadoras no seu trabalho pedagógico. Em segundo lugar, não se desenvolveram modelos que incentivem, encorajem e recompensem o trabalho cooperativo dos professores. Sabe-se hoje que um professor que trabalhe sozinho tem uma enorme probabilidade de ser incompetente, dado que os problemas que se lhe deparam são de tal complexidade que só em colaboração com outros docentes, e mesmo outros técnicos, é possível encontrar respostas adequadas. A organização da escola, a avaliação dos docentes, o modelo de resolução de problemas passa sempre por um professor solitário e único responsável por assuntos que, na verdade, não é capaz de resolver sozinho. Por fim, precisamos de professores apoiados. A formação em serviço precisa de ser reconceptualizada, para que possa desempenhar o papel fundamental de inovação e de supervisão do trabalho docente. A formação em serviço tem passado quase sempre ao lado das reais necessidades dos professores e das reais necessidades das escolas. Precisamos de professores apoiados e, assim, fortalecidos para enfrentar os complexos problemas do quotidiano escolar. Hoje, como antes, vivemos – como escreveu Sampaio da Nóvoa – no tempo dos professores. Não dos professores sozinhos, dos professores sabetudo, mas no tempo de uma classe profissional que tem, cada vez mais, de entender como se convence e seduz os alunos para a importância do conhecimento, da inovação e da pesquisa. Mas também como é que se chega a estes objetivos usando valores e práticas que sejam humanas, solidárias e participativas. É este o tempo presente dos professores.
David Rodrigues
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