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O ‘professor eficaz’, o ‘bom professor’ e os outros...

Sabemos que o professor é uma figura central no domínio da educação escolar, mas também sabemos que os resultados escolares são um produto extremamente complexo que não permite isolar de um modo rigoroso os fatores que o integram.

1. Há dias assim... Quando pensava que já possuía um conhecimento consolidado quanto aos fatores que se encontram presentes no desempenho académico dos estudantes, todos eles bastante complexos e impossíveis de isolar de um ponto de vista científico (são à prova da experimentação científica de tipo laboratorial), eis que nos chega alguém com elevado grau de legitimação (política, científica e mediática) que nos diz que a resposta para os problemas do sucesso escolar (e da aprendizagem, supõe-se) está (quase) exclusivamente nos professores e nas suas práticas. Ou melhor, na sua “qualidade”! Ou seja, na eficácia e/ou eficiência da sua ação profissional!
E já são duas vezes, num curto período de tempo, que essa voz cientificamente inquestionável (dizem-nos) se encontra entre nós: uma, pela mão do Governo, em maio de 2013 (conferência Educação, Ciência, Competitividade, promovida pelo Ministério da Educação e Ciência); a última, no passado dia 26 de outubro, promovida pela Fundação Calouste Gulbenkian (Educação e Desenvolvimento - Escola e Sociedade).
O principal protagonista nos dois eventos foi Eric Hanushek. A primeira conferência teve como tema “Políticas Educativas para a Qualidade e para o Crescimento Económico” e a segunda “A Qualidade da Educação para o Desenvolvimento Económico”. Pelo meio, pudemos ler uma exemplar entrevista ao Público (26.05.2013) dada pelo investigador em questão.

2. O pensamento de Hanushek pode ser resumido do seguinte modo:
– o conceito de ‘professor eficaz’, concebido como sinónimo de ‘professor de qualidade’, é central na sua ‘teoria’;
– este ‘professor eficaz’ é identificado através da performance sistemática dos seus alunos nos exames nacionais;
– esta é uma dedução pessoal, pois o autor não consegue apresentar argumentos que permitam estabelecer uma definição, ainda que mínima, do perfil deste tipo de professor: “A investigação falha na descrição das características ou do comportamento de um ‘professor eficiente’. Sabemos que há profissionais que, por sistema, são melhores em sala de aula do que outros, mas é difícil descrevê-los. Contudo, é possível identificar quem se está a sair bem e quem não está” (E.H. ao Público);
– o elemento central em torno do qual deve girar todo o trabalho do ‘professor de qualidade’ é o exame nacional; de acordo com este autor, Portugal deve “manter e até aumentar o sistema de exames”, o que significa uma opção clara por um determinado conceito de escola, de educação e de ‘profissão’ docente;
– os resultados dos alunos obtidos em exames nacionais deviam ser o único critério de avaliação do desempenho dos professores (e critério essencial para definir o seu salário), dos diretores das escolas (que deveriam ser corresponsáveis pelos resultados escolares), das escolas e dos sistemas educativos;
– os professores considerados “menos eficazes” deviam ser substituídos, o que permitiria uma subida imediata dos países que adotassem esta política no ranking dos resultados dos alunos em exames internacionais e uma subida a longo prazo dos respetivos PIB (cf. conferência promovida pela FCG);
– o conceito de turma, sua composição (tamanho e características dos alunos), a escola e seu funcionamento, autonomia pedagógica, administrativa e científica, são fatores considerados como pouco relevantes ou até residuais; o mesmo se pode deduzir do meio socioeconómico e cultural em que a escola se integra.

3. Este ‘movimento’ de ‘responsabilização profissional’ do professor, profundamente heterogéneo e contraditório, mas convergente na conceptualização do professor individualmente considerado como figura central do sucesso escolar, tem vindo a desenvolver-se nos últimos anos, sendo difícil a sua desconstrução político-ideológica. Nuns casos fala-se no ‘professor eficaz’, noutros no ‘bom professor’.
Sabemos que o professor é uma figura central no domínio da educação escolar, mas também sabemos que os resultados escolares são um produto extremamente complexo que não permite isolar de um modo rigoroso os fatores que o integram. E também julgamos saber que a edificação de uma Escola democrática não pode ser fundada em princípios de natureza meritocrática.

Manuel António Silva


  
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