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Um retrato da Polónia

Para os ‘meus polacos’, João, Clara, Ágata, Carolina e ...

Por uma vez, as distinções foram atribuídas ao seu legítimo dono – Ida recebeu o prémio de melhor filme da Academia de Cinema Europeu, bem como o BAFTA e o Oscar para melhor filme em língua estrangeira. Esperemos que, com este filme, Pawel Pawlikowski tenha percebido o que o seu cinema pode ser, e não o que o mercado e o dinheiro querem que seja, e que, tal como Anna, ele fique a saber quem realmente é.

O realizador de Ida, o polaco Pawel Pawlikowski, formado em Literatura e Filosofia, com pós-graduação em Língua Alemã, em Oxford, começou como documentarista na televisão inglesa. A sua segunda longa-metragem (Last Resort, 2000) valeu-lhe os elogios da crítica internacional em vários festivais, incluindo Toronto e Sundance, e ganhou o BAFTA [British Academy of Film and Television Arts] na categoria “Most Promising Newcomer in British Film”. O filme seguinte, My Summer of Love, ganhou o Alexander Korda, prémio para melhor filme britânico de 2005.
Em 2013, Pawlikowski resolveu voltar à sua Polónia natal para explorar a peregrinação de uma freira à procura do seu passado, redescobrindo o seu talento depois do meio fiasco de La Femme du Viéme, rodado em Paris – este filme foi um trabalho de encomenda de alguém que ficou deslumbrado perante um orçamento fabuloso; nada de excepcional na história do cinema, que o diga John Carpenter.
Em Ida, estamos em 1960 e o realizador aproveita para mostrar a história de como o cinema polaco lidou com os traumas da ocupação alemã. Talvez por isso o filme não tenha sido bem recebido no país.
Uma semana antes de tomar os votos, a noviça Anna (Agata Trzebuchowska) é aconselhada pela madre do convento a visitar a sua única parente viva. Pouco tempo depois de entrar no apartamento da sua tia Wanda (Agata Kulesza), fica a saber que é judia por nascimento e que o seu nome verdadeiro é Ida. As duas resolvem descobrir o seu passado e o destino dos pais de Ida, desaparecidos durante a guerra. Num filme de grandes contrastes, talvez o maior seja o deste duo: Wanda é uma mulher com um passado duro e doloroso, por tudo a que assistiu e fez (é juíza), e afoga as mágoas com vodka e jazz; Anna/Ida tem um ar ingénuo e cabelo claro e agarra-se à touca e à Bíblia.
Nos seus filmes anteriores, Pawlikowski mostra-se atraído por locais degradados. Aqui, o ambiente da Polónia rural são cinzentas tardes de Inverno. Há um plano impressionante, à moda de Béla Tarr, que mostra o final da actuação de uma big band no hotel onde as mulheres estão hospedadas, com balões e lixo no chão e um cão farejando à procura de comida. O realizador usa a estrutura 4:3, colocando rostos e corpos na parte inferior ou nos extremos da imagem, como para mostrar que o mundo, e a sua história, parecem pesar sobre as personagens. É um espaço que vive por si próprio, e tudo o que vemos e o que elas vivem vale a dobrar. No fim, as duas sabem – e nós com elas – que depois desta experiência, apesar de voltarem às suas vidas anteriores, nada vai ficar como antes.
Esperemos que, com este filme, Pawel Pawlikowski tenha percebido o que o seu cinema pode ser, e não o que o mercado e o dinheiro querem que ele seja, e que, tal como Anna, fique a saber quem realmente é. Por uma vez, este ano, os prémios foram entregues ao seu legítimo dono – Ida recebeu o prémio de melhor filme de 2014 da Academia de Cinema Europeu, bem como o BAFTA e o Oscar para melhor filme em língua estrangeira.

Paulo Teixeira de Sousa


  
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