Na sua extraordinária diversidade, a folk ibérica tem vindo a tornar-se progressivamente mais forte como expressão cultural, impondo-se o reforço desta capacidade de expressão e de intervenção de modo permanente. E tendo em consideração o já quase crónico défice de divulgação na comunicação social, a programação dos festivais folk assume uma importância decisiva e fundamental: deve ser aberta nos seus critérios de escolha, plural nas suas expressões e manifestações, abrangente das distintas geografias, procurando incorporar fatores suscetíveis de deslocarem públicos. Neste contexto de reconhecida necessidade de incremento da diversidade, podem (devem) criar-se parcerias de programação e isso terá de significar uma efetiva mudança qualitativa que deve constituir uma espécie de aposta na mais-valia cultural para os festivais. Se já se pode constatar uma certa viragem neste sentido no panorama das chamadas músicas do mundo (para as quais existem em Espanha festivais muito bem conseguidos em termos programáticos e em Portugal alguns escassos exemplos que apontam no mesmo sentido), porque não procurar idênticos padrões de diversidade expressiva no campo dos festivais folk ibéricos? Como expressão desta opção de diversidade, privilegiando relações de proximidade intercultural, o 16º Festival Intercéltico de Sendim apresenta uma programação sob o signo das conexões ibéricas.
Brigada Victor Jara. Celebram 40 anos de presença seminal na frente de excelência da folk portuguesa, constituindo uma das mais poderosas propostas de recriação do nosso legado tradicional. Não é muito frequente, mas por vezes acontece: integrando-se no complexo e, não raro, controverso processo de revivificação da música tradicional, a Brigada “confunde-se” com a história desse movimento/dinâmica cultural, tendo assumido foros de pioneirismo o trabalho desenvolvido nesse sentido, de tal modo que, a cada obra publicada, eram (re)definidos os caminhos por andar, as repropostas por construir. Esta postura veio a revelar-se determinante para que cada obra da Brigada constituísse mais um degrau da exemplar ascensão revivificadora e uma poderosa sugestão/estímulo para exploração de novos enraizamentos expressivos. Tanto mais que as fontes – nunca perdidas de ouvido – não só eram garantia mais do que suficiente dessa ligação à tradição, mas também porque a (re)criação se operava numa área de “confronto” entre a tradição e a modernidade, resolvido com inovadora e renovadora criatividade. Foram muito generosos os deuses destas músicas. Tornando inesgotável a fonte de inspiração e recriação, propiciaram bons augúrios para que o festim servido pela Brigada Victor Jara ao longo destes 40 anos fosse sempre tão cativante e apetecível.
Rare Folk. Criada em 1992, na Andaluzia, é uma formação histórica, com um percurso de referência no panorama ibérico, porque soube sempre reinventar-se, numa constante evolução e procura de uma linguagem própria e diferenciadora, manifestando uma singular visão na qual a música celta abraça o rock e a vanguarda eletrónica, tendo como resultado final um som deliciosamente elaborado e carregado de energia. Não enjeitando o multiculturalismo característico de uma terra que sempre foi ponto de encontro de culturas e de tradições, os Rare Folk lançam mão dos mais variados géneros musicais (celta, jazz, rock, orientais, africanos, eletrónica), o que determinou que a sua proposta tenha sido definida como freestyle folk.
Seu. As sendas escavadas nas rochas dão nome ao grupo vindo das Astúrias, porque a consciência de que o tipo de música escolhido por instrumentistas com experiência em distintos grupos (Corquiéu, Pamuskis, Corzobeyos, Buhos ou Jake Mate) significa terem de percorrer um caminho duro e difícil. A formação asturiana insere o seu projeto no quadro do folk progressivo, com propostas de fusão que procuram refletir a paisagem sonora contemporânea: “Procuramos ritmos compostos e metemo-nos por umas sendas bastante complicadas.”
Arrefole. Nascidos no Porto em 2000, os Arrefole apresentam uma proposta criativa e original, emotiva e provocadora, onde a música tradicional do Minho e de Trás-os-Montes ganha novo fôlego e atrevimento através de alguns arranjos, considerados, talvez, pouco convencionais pelos mais puristas. Como refere Sara Vidal, “eles provocam a nossa imaginação, acentuam uma vontade subliminar de também vivermos essas viagens e experiências urbanas, descobrindo uma nova identidade no dia a dia de uma realidade cada vez mais globalizada”.
Cecina de Léon. Oriundo de terras leonesas e partilhando um fundo cultural comum com as lusas gentes do norte, este grupo faz da música um ato de convívio coletivo, com uma proposta de folk delicado e progressivo, recriando temas tradicionais e avançando com as suas próprias composições. As vozes da crítica coincidem em considerar que os Cecina de Léon são um grupo de música tradicional que mistura os seus ritmos com poesia, prosa e letras transgressoras.
Andrés Penabad. Considerando que na Galiza o acordeão nunca foi devidamente valorizado, e graças ao estímulo familiar, Andrés Penabad começou desde muito cedo a percorrer caminhos que o haveriam de levar a provar – e de que maneira! – que com esse instrumento, que muito influenciou a música atual, se pode fazer uma festa em tons maiores de celebração. Tendo-se cruzado com gente da linha da frente da folk ibérica, como Bieito Romero e Kepa Junkera, Penabad é hoje uma das grandes referências da folk galega.
Mário Correia
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