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Eles estão por todo o lado

1. Desde há mais de dois séculos que os viajantes circulam sobre o planeta e intrigam os observadores. Se é verdade que os homens se deslocam desde os tempos pré-históricos, foi necessário inventar um novo nome, por volta do início do século XIX, para designar uma personagem que parece não ter os mesmos propósitos que os de então – o turista.
Durante a segunda metade do século XX, uma parte da indústria dos serviços tem vindo a instalar-se em diversos países para satisfazer as necessidades e os desejos específicos deste estranho viajante. Paralelamente, o turista será cada vez mais denegrido e mesmo ridicularizado à medida que se multiplica. Este paradoxo continua: o discurso negativo sobre os turistas diversifica-se sem se modificar, ao mesmo tempo que os empresários do setor e os governantes orçamentam o turismo, nas suas contas, em centenas de milhões, predizendo o seu contínuo crescimento e investindo sem parar para que as suas previsões se realizem.
Mas o que é o turismo, ao fim de contas? É uma atividade de ocupação do tempo livre por excelência. Representa uma atividade de lazer de primeira importância que se traduz, enquanto prática, numa experiência humana e humanizadora. É um gesto de interesse e um sinal de abertura. É uma ocasião de encontro, comunicação e de vivência comum, partilhada das mais diversas formas, tendo como motivo a consciência do encontro de si mesmo e apresentando como traço dominador a troca de comunicações.
O turismo, tal como outras práticas de lazer, está a gerar um novo estilo de vida e a produzir impactos socioeconómicos e abertura de mentalidades.

2. Para qualquer pessoa do início deste século, ser turista é um atributo possível e compatível com as novas formas de vida. Ele é visto como um indivíduo, ou um conjunto de seres humanos, que durante um período de tempo se desloca para um lugar, com a esperança de que essa viagem ou essa visita seja uma experiência gratificante.
Estamos, todavia, longe do tempo de Stendhal, que designava os turistas como “viajantes românticos” que, após as guerras napoleónicas, se lançaram a percorrer o mundo. Hoje, o mesmo turista é visto como alguém que chega aos lugares em pequeno grupo ou em grupos massivos que descem dos autocarros ou dos aviões como “aves de rapina” que querem ver tudo, tocar em tudo, comprar tudo e... Após esses objetivos cumpridos desaparecem para outros lugares, para se comportarem da mesma maneira.
Para satisfazer estas necessidades, os turistas precisam de estradas e autoestradas, estações de caminho de ferro, portos e aeroportos. Utilizam parques de estacionamento, transferem moedas, solicitam serviços hoteleiros e de restauração, compram bilhetes para espetáculos, livros e recordações, programas de recreação, memória digital para as máquinas fotográficas, cassetes de registo de imagem, etc.
Estas e muitas outras necessidades permitem, desde há mais de 60 anos, falar do turismo como uma nova indústria e como um meio que, em vários países, contribui muito significativamente para o produto interno bruto (PIB), ao nível das receitas e das despesas na balança de pagamentos, na criação de emprego e, genericamente, como um valor acrescentado de caráter nacional e regional.

3. Esta indústria de serviços tão promissora e como a conhecemos hoje, enquanto fenómeno de massas, não tem, como vimos, mais do que meio século, e em muitos países verifica-se ainda que há pessoas que nunca viajaram como turistas. Quer isto dizer que a viagem de férias ainda não faz parte do estilo de vida de uma parte da população nas sociedades economicamente mais desenvolvidas.
É pois legítimo constatar que muitos dos turistas são ainda pouco experientes, influenciáveis e muito fáceis de satisfazer. A indústria turística que se tem dotado de instrumentos de gestão, de serviços do mais moderno e eficaz que existe, encontra-se presentemente em condições de responder aos pedidos dos seus clientes de maneira quase totalmente satisfatória.
No entanto, um novo fenómeno está a surgir no interior do meio turístico. Trata-se de um outro tipo de procura, associada a um novo perfil de clientes mais exigentes, com necessidades concretas e com um certo sentido crítico relativamente à forma como esta indústria se move atualmente.
Também a falta de preocupação relativa aos impactos que certos analistas julgam negativos: destruição do ambiente, poluição, sobrecarga de povoamento, comercialização da cultura, perturbação das paisagens, etc., parecem estar por ora, e em parte, distantes dos horizontes e do nível de preocupações da indústria turística.
Poderíamos alongar esta lista de considerações para continuar a responder à questão “o que é o turismo?” Não o faremos. No entanto, diremos que o rápido crescimento do turismo, desde há mais de cinco décadas, o tem tornado num fenómeno de grande complexidade, sendo cada vez mais pertinente que se interrogue e questione o assunto.

António Mendes Lopes


  
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