Hobsbawm faleceu com a avançada idade de 95 anos. Foi um historiador britânico muito considerado e publicou livros importantes. Era trotskista e não ultrapassou esse facto.
Em «A Era dos Extremos», traduzido e publicado em português (Presença, 2014), Eric Hobsbawm mostra, sem querer, como a ideologia influi na análise das questões humanas. “A guerra começou, portanto, em 1939 como um conflito puramente europeu e, de facto, depois de a Alemanha entrar na Polónia, que foi derrotada e dividida em três semanas com a então neutra URSS, como uma guerra puramente ocidental da Alemanha contra a Grã-Bretanha e a França.” É extraordinário que um homem inegavelmente culto, inteligente e com experiência de vida, crítico e analítico, sustente que a Segunda Guerra Mundial “começou como um conflito puramente europeu”, acrescente que “a então neutra [!!!] URSS” dividiu a Polónia com a Alemanha nazi [sendo neutra?] e que se tratou de “uma guerra puramente ocidental da Alemanha contra a Grã-Bretanha e a França.” Como é possível escrever isto? A França e a Grã-Bretanha não tiveram a menor culpa da invasão nazi da Polónia; por outro lado, quem considera a Polónia um Estado situado na zona ocidental da Europa? Compreendo Hobsbawm: a mão ‘tremeu-lhe’, incapacitando-o de criticar o tristemente célebre Pacto Molotov-Ribbentrop, ou Pacto Nazi-Soviético, celebrado entre a Alemanha de Hitler e a União Soviética de Estaline. Falando de Alan Turing: “Turing suicidou-se em 1954, após ser condenado por conduta homossexual, então oficialmente um crime e tida como uma doença médica ou psicologicamente curável. Ele não suportou a ‘cura’ compulsória que lhe foi imposta. Foi vítima não tanto da criminalização da homossexualidade (masculina) na Grã-Bretanha anterior aos anos 60 como da sua própria recusa em a reconhecer”. Esta inacreditável desculpabilização do governo e do sistema judicial britânicos mostra que Hobsbawm tinha razão quando, na mesma obra afirmou que “o paradoxo do comunismo no poder é que ele era conservador.”
Sujeito e subjetividade. Por questões destas, continuo a pensar que nas ciências humanas não se consegue abandonar uma postura ideológica, mesmo nas mais antigas, como a História. Quando lemos Sociologia, Economia, Antropologia ou qualquer outro desses ramos do saber, devemos ler muito bem e pensar que, de facto, as ciências da natureza, porque analisam fenómenos naturais, são imensamente mais objetivas do que as humanas, nas quais o Homem é simultaneamente sujeito e objeto de conhecimento. Sendo apenas ‘sujeito’, o homem ator/autor é fatalmente ‘subjetivo’. Por isso não é de estranhar que a Economia proclame – através de arautos com poder, mas subjetivos – ‘verdades’ como a impossibilidade de o Banco Central Europeu cunhar mais moeda, ou, de súbito, não haver problema algum (pelo contrário) em cunhar milhares de milhões de euros. Por isso se compreende que autores de ciência política como George Friedman – que, em 2012, escreveu um ‘lúcido’ artigo intitulado A Estratégia da Rússia – façam ‘previsões’ de uma guerra entre os Estados Unidos e o Japão em 1991, como ele previu em The Coming War with Japan... Por isso, também, não é de admirar que ‘técnicos’ de Bruxelas imponham uma austeridade gigantesca a Portugal, criticando depois – cerca de quatro anos depois – o governo português por, seguindo as imposições ‘bruxelianas’, ter criado um enorme número de pobres! Por mais uma vez, Hobsbawm: “A economia, embora sujeita às exigências de lógica e estabilidade, floresceu como uma forma de teologia (...) como o ramo mais influente da teologia secular – porque pode ser, e em geral é, formulada de modo a não sofrer [testes práticos]”.
Carlos Mota
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