O quadro legal em vigor estabelece o direito de manutenção do contacto entre a criança ou jovem acolhido (em instituição ou família de acolhimento) e a sua família de origem, à semelhança do que sucede na maioria das separações e divórcios.
É suposto que crianças e jovens cresçam num ambiente familiar que lhes permita o desenvolvimento harmonioso da personalidade. Quando tal não sucede, e não estando supridas pela família biológica as necessidades básicas dos filhos, o Estado interfere através de medidas que investem nas famílias e no papel dos pais, apoiando-os na recuperação de uma parentalidade positiva, com a intenção de garantir o bem-estar dos filhos. Quando é necessária a retirada de crianças ou jovens da sua família, prevê-se o contacto entre ambos, desde que o superior interesse da criança ou jovem seja salvaguardado. De acordo com a Convenção sobre os Direitos da Criança (artigo 9º), “os Estados Partes respeitam o direito da criança separada de um ou de ambos os pais de manter regularmente relações pessoais e contactos diretos com ambos, salvo se tal se mostrar contrário ao interesse superior da criança”. O princípio geral de manutenção do contacto tem de ser analisado em cada contexto, podendo ser afastado se, em caso concreto, o contacto se revelar prejudicial ao interesse superior da criança, o que nos coloca perante a necessidade de avaliar os seus resultados. Se quem acolhe avalia a conduta da família de origem à luz dos seus procedimentos e conceções, o juízo será provavelmente negativo. Se, pelo contrário, procurar compreender os comportamentos, estará a respeitar a identidade da criança e a ajudá-la a lidar com a separação. Esta atitude passa por reconhecer que uma pessoa não terá hábitos de higiene porque nunca teve oportunidade de os aprender e que os seus comportamentos são os que vivenciou, salvo exceções do foro da saúde mental; em suma, que ninguém tem uma vida desestruturada e caótica por opção, mas por incapacidade de transformar a sua realidade noutra possibilidade.
Compromisso de encontro. A complexidade do contacto no acolhimento acentua-se quando os acolhedores são confrontados com situações inaceitáveis, do ponto de vista ético e legal. Terão de aceitar todos os comportamentos da família de origem? São obrigados a tolerar o inadmissível? Claro que não. Os acolhedores têm o direito e o dever, face a certos relatos ou acontecimentos, de estabelecer fronteiras e de recusar essas atitudes, mas a declaração de recusa deve ser acompanhada da tentativa de explicação dessas condutas que condicionaram e condicionam as opções, descartando explicações simplistas, próprias do senso comum. Ao fazê-lo, demonstram à criança que certas condutas não são adequadas ou aceitáveis, muito menos comuns, e que há um outro modo de ser. A dificuldade que a prática inevitavelmente levanta é a de se apurar, em rigor, o ponto em que o balanço entre os interesses em jogo (que se tornam conflituais) recomenda a cessação temporária ou definitiva dos contactos. Esta evidência coloca um desafio, complexo e difícil, a quem acolhe, porque confronta com comportamentos e valores da família de origem, que se encontram, com frequência, distantes dos que são socialmente aceitáveis. Esta é uma questão central no processo de acolhimento – como lidar com a diferença de padrões e de comportamentos, como geri-la e até que ponto aceitá-la. A tolerância é a convicção de que a relação com o outro – neste caso, a família de origem – se deve pautar pelo respeito, pela escuta e pelo debate; um compromisso de encontro que põe de lado a indiferença, mas que se rege por princípios, regras e limites.
Paulo Delgado
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