Sem que se negue o valor e as potencialidades do ciberespaço, a problematização analítica de algumas situações de sociabilidade revela um quadro que requer atenção. Trata-se de configurar relações não por justaposição, mas por interação.
Dos factores que desvirtuam o comportamento humano, dois, por certo, sobressaem de imediato: os de caráter ontológico e os de agregação. No primeiro caso, o ser humano pode ser tomado por três elementos que têm a propensão de originar três tipos de violência: 1) competição, que gera o ataque aos outros; 2) desconfiança, que ocasiona a violência para se defender; 3) desejo de glória (nutrindo-se bastante da vaidade), que faz emergir a violência, simbólica ou não, por causa de ninharias, de coisas pequeninas. No segundo caso, temos o comportamento de massa. As respostas em relação ao que consiste o comportamento de indivíduos e de massas são diversas, mas podem ser congregadas sinteticamente, até porque as distinções são mais de grau do que de natureza. Se medo, alegria e raiva são emoções humanas fundamentais, quando relacionadas às multidões, elas se tornam, respectivamente, pânico, júbilo e hostilidade. O comportamento de massa pode levar as pessoas a fazerem o que provavelmente jamais fariam, se estivessem sozinhas. Por massa, em perspectiva sociológica, entenda-se um agregado social constituído por pessoas que recebem informações transmitidas pelos meios de comunicação (hoje incluída a internet, a comunicação eletrônica), em maior ou menor medida, de um modo passivo. Trata-se de um agrupamento relativamente extenso, onde as pessoas estão separadas e até mesmo se desconhecem entre si. E mais: não necessariamente tem a ver com status econômico; atualmente, com o desenvolvimento da comunicação eletrônica, as redes sociais permitem a formação de multidões virtuais no chamado ciberespaço. Pois bem, de forma bastante característica, tem-se verificado que os dois factores referidos – que desvirtuam o comportamento humano – têm tido uma incidência crescente na sociabilidade ambientada no ciberespaço. Antes de tudo, as pessoas estão aí presentes como ‘corpos virtuais’, ou seja, representadas por fotografias, imagens de webcam, avatares, etc.
Interação recíproca. Como realçou o historiador francês Pierre Nora, na sociedade de hoje, do ciberespaço, vivemos uma época na qual se dedica muito tempo à comunicação e pouco à reflexão. Promove-se, assim, uma sociabilidade que induz um estilo de vida do ‘presente perpétuo’, condenado ao zapping e à onipotência dos media, pautado pela agenda irrefletida dos espaços de comunicação eletrônica, com as pessoas, por exemplo, moldando inteiramente o seu quotidiano pelas redes sociais. A sociabilidade da atomização massificada, no ciberespaço, manifesta-se por uma diversidade de comportamentos que, sob inspiração metodológica do tipo ideal weberiano, podem ser descritos da seguinte forma: a) adesão imediata a temas do momento em redes sociais, como o Facebook, reproduzindo-os rapidamente; b) ‘luta’ para ser popular nessas redes, agregando muitos ‘amigos’/‘seguidores’, recusando, contudo, a hipótese de contacto/diálogo presencial; c) reprodução de hostilidades que circulam no mundo virtual, sem examinar o caráter delas – dando vazão, a partir disso, inclusive, a preconceitos e discriminações; d) permanente propaganda de si próprio; e) artificialização da felicidade. Poder-se-ia listar outros comportamentos, mas estes são suficientes, constituindo uma amostra representativa do que estamos a designar por atomização massificada no ciberespaço. Uma análise acurada dos mencionados comportamentos logo nos revela que eles, em ‘ato ou potência’, estão perpassados por elementos dos factores responsáveis por desvirtuar o comportamento humano, conforme os evidenciamos. Sendo a sociabilidade o atributo do ser humano a tornar-se sociável, fazendo com que a parte socializada do indivíduo seja designada como identidade, é de ter em conta uma atenção acrescida às configurações relacionais no ciberespaço. Do que se trata é de, também aí, se estruturarem relações densas do ponto de vista ontológico, que agreguem não por justaposição, mas por ‘interação recíproca’. Por outras palavras, estruturar relações no ciberespaço que retirem a sociabilidade da esfera da atomização massificada, conduzindo-a à autoafirmação partilhada.
Ivonaldo Leite
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