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Sem teoria, há apenas opiniões

Por que motivo não haveríamos de querer dispor de dados produzidos de forma tão brilhantemente técnica como os do PISA? E qual a razão que faz da questão dos dados algo de tão importante para o próprio PISA?

E a frase “sem dados, és apenas mais uma pessoa com uma opinião”, que tem sido frequentemente pronunciada por Andreas Schleicher na defesa dos inquéritos PISA, não só é trivial, como muito enganadora. É que sem se saber porquê e como são recolhidos (ou seja, que teorias informam a sua recolha), os dados como os reunidos pelo PISA são meras aglomerações de números, abertos à atribuição post hoc de um qualquer tipo de estatuto de evidência por um qualquer observador. O argumento, aqui, é que sem teoria os dados não significam nada e têm o potencial de induzir em sérios erros. Ou, como disse muito sucintamente Immanuel Kant: “conceitos sem conteúdos são vazios (mas) conteúdos sem conceitos são cegos”.
É claro que os coletores de dados reconhecem que os dados em si mesmos não são suficientes, mas parecem contentar-se se os dados parecerem ‘intuitivamente’ suficientemente bons, sobretudo quando são entusiasticamente recebidos por muitas partes interessadas e informadas.
Qual é, então, o problema? Por que motivo não havíamos nós de querer dispor de dados produzidos de uma forma tão brilhantemente técnica? Por que razão as opiniõesnão devem ser baseadas apenas em dados, sem saber porquê e como os dados/evidências são produzidos? E, sobretudo, qual a razão que faz desta questão dos dados algo tão importante para o PISA? O problema envolve cinco aspetos.

1. O PISA tem fundamentos e consequências políticas. A declaração de que a quantificação, ou outro tipo de dados, “despolitiza” questões-chave da política educativa é, evidentemente, em si mesma, uma declaração política (se não por mais, porque todos os arranjos de governação têm, necessariamente, consequências para a justiça social), e uma declaração que permite aos seus autores velar as suas preferências e construções sobre como o campo da Educação deve ser mudado em todo o mundo. Da mesma forma, afirmações sobre a autoevidência das consequências dos dados recolhidos são, elas mesmas, a negação da autoevidência, podendo sempre ser contestadas.

2. O que são os dados do PISA? À superfície, referem-se às competências de jovens de 15 anos. Mas vão muito mais longe, relacionando-as às características específicas do sistema educativo – identificadas politicamente e não com bom senso ou aleatoriamente. Neste processo, o PISA cria um espaço único de desempenho do sistema educativo e torna a “educação” num campo político globalmente comensurável. Inquéritos como o PISA não conseguem revelar, muito menos dar conta de tudo sobre uma dada questão específica de um país. Nem os autores do PISA têm fundamentos para afirmar que as diferenças que sabemos existirem entre os países são irrelevantes (outra afirmação dependente da teoria).

3. Como resultado destas limitações, a teoria é substituída pelo palpite informado, ou, na melhor das hipóteses, por aquilo que elegantemente é designado como generalizações empíricas, ou correlações, a partir das quais, como todos os textos de metodologia e investigação elementares explicam, é impossível traçar conexões causais. E mesmo aqui vemos uma profunda relutância por parte dos promotores do PISA em recomendar o sistema mais “bem sucedido” (da Finlândia) como um modelo a ser seguido, uma vez que não se compagina com o modelo implícito de governação da Educação que subjaz ao projeto PISA.

4. As consequências do exercício, por oposição aos resultados, não estão implícitas nas suas descobertas, mas têm que ser construídas, post hoc, a partir de modelos tidos como globalmente válidos. Não existem “formas ideais” de gestão da Educação, exceto como interpretações específicas dos dados do PISA. Não só as consequências, ou mesmo os eventuais usos, dos presumidos “efeitos” das descobertas são misteriosos, como as próprias descobertas podem ser explicadas de mil e uma outras maneiras.

5. Finalmente, e talvez o aspeto mais importante do problema, a “subsunção” da teoria dos dados significa que não temos nenhuma maneira de saber porquê ou como é que conclusões universalmente válidas extraídas dos dados podem funcionar em (e para) que sistemas de ensino. Em que condições? Ou as conclusões podem ser mudadas em si mesmas, ou em termos das suas implicações, de modo a que possam veicular as mudanças consideradas desejáveis?

Por tudo isto, não é possível confiar nas assunções implícitas que fundamentam as perspetivas que dizem ser preferíveis os dados a opiniões, ou que a teoria é desnecessária. É necessário, em vez disso, construir relatos devidamente teorizados dos pressupostos da própria perspetiva do PISA.

Roger Dale


  
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