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Em suma

Colonos, quer queiramos quer não. Inventores dos maiores exercícios de violência, dos maiores exemplos de humanidade, no sentido do humanismo. O indivíduo, o inocente, encerra em si mesmo a inocência que lhe há de ser roubada. Para o bem e para o pior. Palcos de guerra, paraísos, uma cegueira que dói, a fome de felicidade. Roubámos do chão primitivo toda a nossa realidade, as conquistas, os sonhos, a ciência, as paredes e a pedra que as sustenta, o luxo da civilização, as memórias dos povos que vão sendo exterminados, para mal da nossa condição, exterminados.
Temos a responsabilidade de honrar a casa. Temos de admitir erros, condescender. Humanidade que fez da filosofia âncora, e da técnica modo de vida. Nada sobeja, se não a conquista do espaço, a glória da cidade. Em suma, podemos não aceitar esta transitoriedade do poder, da nossa imagem, da criação, mas não há caminho sem saída que não seja a da nossa dita felicidade.
Colonos, como disse, construímos um sonho, roubado das selvas, erguido em nome da psique, do saber, de um tempo que nos restitui à nossa insignificância. Conselhos, visões dos horizontes, fés em pessoas santificadas, miragens, e o mais que a consciência nos dita, tudo perece. Não tanto a nossa imagem, sem sentido, que tem a justificação da vida. Podemos acrescentar à natureza a nossa ridícula inventiva. Diz muito, artifícios, sem crédito, diz o comum das coisas. Diz algo, beija a epiderme do sentir, mas não diz além da inteligência. Nós queremos é pão, não queremos mais bombas. E nós, colonos, rastejamos neste odor, do pó, e cinzas, e plástico, e radioatividade, impelidos na sôfrega, no desvario de um tempo falível.
Não há mais nada a acrescentar a este desalento, sobre o qual nós temos de restituir aos dias um sorriso. Como se um sorriso seja maior que toda a magnificência dos humanos feitos. Amanhã eu direi o dito por não dito, sem esquecer que lá longe, na linha desta hereditária honra, se escondem interrogações sobre o destino dos afetos. Amanhã a verdade deste dia tão magro se há de robustecer, e nós mesmos seremos atores num palco sem direito a público.
Pedem-me para um raciocínio de cidadão. Apenas logro estender um tapete, onde os passos definham, mas onde a nossa coluna de colonos se impõe pela verticalidade dos feitos. Há restos, e palavras mal compreendidas, mas há mais na linha de uma confissão que em mil anos de história. Não me digas que não houve uma sombra de repouso neste mundo, nem que não houve silêncio a bordejar o chão. Olha para o teu personagem, que o meu tem mais a saber sobre si mesmo do que a civilização sabe acerca do que nos une. Artifícios da linguagem, e pouco mais.

Luís Vendeirinho


  
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