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Erasmus (também) dá pão e filhos

“Estrangeiro! talharam-nos em redor fossos, limites e o cerco das fronteiras”
[Fernando Namora, «As Frias Madrugadas»]

O Professor S. estava radiante: tinha 10 estudantes estrangeiros dos programas de mobilidade europeia e extra-comunitária nas suas três turmas de segundo semestre. Nunca tinha tido tanta gente de outras terras, línguas e costumes! Alazne, Libe, Nerea, Miguel (bascos), Almudena (andaluza), Robbe (flamengo), Katharina (austríaca), Guaciani, Elena, Lívia (brasileiras) trariam “outro estar” às aulas de Antropologia Cultural e de Contextos Multiculturais e Educação. A sua presença forçaria os indígenas a saírem do seu casulo de conforto linguístico, praticando uma segunda língua e estabelecendo relações interculturais.
O Professor S. era um adepto fervoroso da mobilidade internacional. Um verdadeiro prosélito da ideia. Logo nas aulas de 1º ano, incentivava, com empenho e entusiasmo, os estudantes a planearem a partida no 2º ano do curso (o ideal em licenciaturas de apenas três anos). Fornecia-lhes argumentos para quebrarem eventuais resistências familiares: culturais (também os pais viajavam pouco) e afectivas (é nos países do sul que os filhos, muito agarrados aos pais, e vice-versa, saem mais tarde de casa). No seio familiar (e escolar) cultiva-se pouco a autonomia e a independência. A mãe-galinha adora ter os filhos debaixo das suas asas... ou seja, sempre por perto. Para elas, amar é tutelar.
Já o Eurostudent, estudo coordenado por António Firmino da Costa, em 2005, revelava que só oito por cento dos estudantes portugueses do Ensino Superior tinham tido experiência de estudo no estrangeiro – contra, por exemplo, os 17% da Alemanha e os 21% da Espanha. Entretanto, os números não melhoram por aí além.
Também neste particular, as importações (9.894) superaram as exportações (pouco acima dos 7.000). As razões aduzidas pelos portugueses para não irem estudar para o estrangeiro são, fundamentalmente, de tipo económico. E a crise só agudizou a situação. O jornal Diário de Notícias (23.04.2012) dava conta que nos politécnicos (subsistema dos estudantes mais carenciados) se assistia a uma desistência “anormal” de estudantes ligados a programas de mobilidade. As queixas batiam na (habitual) falta de apoios públicos e no montante da bolsa (valor médio de 272€ mensais).
Três dos filhos do Professor S. beneficiaram dessa experiência única que é estudar no estrangeiro (em Toulose, Sevilha e Madrid). Esta, sim, fora uma verdadeira “conquista democrática” que a União Europeia possibilitou. Ele, pelo contrário, frequentou a universidade num tempo em que se saía do país... “a salto”, ou passando tormentos para obter a autorização militar. A guerra colonial e a política do “orgulhosamente sós” de Salazar-Caetano acorrentava-os a este torrão lusitano, numa etapa da vida em que os jovens devem cultivar as aprendizagens (in)formais, e andar no inter-rail rasgando horizontes, a conhecer a Europa. Só no pós-25 de Abril pôde ir estudar “lá fora”, quando concorreu a uma bolsa para fazer parte do mestrado nos EUA. Naturalmente, foi uma experiência “pertinente e significativa” (para usar o jargão do eduquês).

Vantagens Erasmus. Mas se dúvidas houvesse (ainda) sobre as vantagens do intercâmbio internacional, a avaliação do programa Erasmus, a cargo da CHE Consult e divulgado na imprensa de 23.09.2014, dissipa-as numa penada. Seis razões (substantivas) a favor: i) o desemprego de longa duração é 50% menor; ii) o desemprego, cinco anos após a graduação, é inferior em 23%; iii) mais de um em cada três estagiários Erasmus recebeu oferta de emprego da empresa que os acolheu; iv) 40% mudaram de país de residência (e de trabalho) pelo menos uma vez desde a conclusão dos cursos; v) 33% têm um parceiro de nacionalidade diferente (contra 13% dos que ficaram no país); vi) 27% conheceram o seu “parceiro mais duradouro” durante o período de intercâmbio. Desde 1987, nasceram cerca de um milhão de bebés de casais Erasmus!
Que mais se quer para um país que, na UE, é aquele onde nascem menos crianças e que tem 55% de desempregados com um curso superior?! Divulguem-se (já!, recuperando a linguagem do PREC, processo revolucionário em curso) os resultados deste estudo entre os estudantes e os pais, no sentido de quebrar resistências a cépticos e indecisos.
Há muito que a Comunidade de Países de Língua Portuguesa devia ter implementado algo semelhante ao Erasmus. Este tipo de acções faria mais pelo fortalecimento da comunidade lusófona do que toda a verborreia política, de governantes e acólitos, vazia de conteúdo prático. Tal como os 27 anos de Erasmus fizeram mais pela cidadania europeia do que todos os actos eleitorais para o Parlamento Europeu.

Luís Souta


  
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