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Do “publicar ou morrer” ao uso da pesquisa em Educação

A autonomia dos pesquisadores para explorar áreas de interesse e se engajar na produção do conhecimento deve permanecer como base para o trabalho criativo e crítico. Mas é igualmente importante avaliar se o conhecimento produzido é acessível e usado pelos profissionais, pelos formuladores de políticas e pelo público em geral.

Tendo em vista a contínua expansão de publicações de pesquisadores da Educação, é evidente que a noção de “publicar ou morrer” permanece não somente um ditado popular, mas também um comando que deve ser obedecido. É irônico afirmar que o aumento no número e até mesmo, ousamos dizer, na qualidade das publicações, sinais claros de melhoria na área interna, não parece ajudar a conciliar as vozes críticas sobre a falta de relevância do nosso campo.
O objetivo deste comentário é sustentar que uma forma melhor de abordar as críticas de séculos sobre o modelo universitário da torre de marfim é parar de reclamar e se engajar com estratégias de mobilização do conhecimento (KM, em inglês). Os pesquisadores engajados com a mobilização do conhecimento procuram entender e aumentar o impacto e o uso da pesquisa através de estratégias interativas multidimensionais visando uma faixa ampla de interessados como uma abordagem para atender a obrigação ética que os pesquisadores têm para assegurar que a pesquisa produzida em Educação seja mais acessível e basicamente mais impactante. Reconhecemos também as tensões que este processo irá provavelmente despertar na busca para melhorar o impacto da pesquisa, tornando-a mais acessível e útil para o público.

Modelo ineficaz. Um dos maiores desafios para efetivamente se implementar o KM é a prevalência de um modelo de comunicação científica “iluminado”, que usa principalmente uma abordagem de difícil acesso, de-baixo-para-cima e de mão única (pesquisa para a comunidade/escolas/formuladores de políticas) para disseminar a pesquisa. A persistência de um modelo unidirecional para a comunicação da pesquisa tem contribuído para uma percepção mais ampla, especialmente entre os profissionais, de que os pesquisadores impõem a eles o conhecimento baseado na pesquisa, levando a uma omissão no reconhecimento do conhecimento que professores, reitores e formuladores de políticas, por exemplo, realmente possuem.
Há, portanto, um reconhecimento emergente de que este modelo de-cima-para-baixo e de mão única não é eficaz nem relevante para públicos mais amplos na Educação. Enquanto a maioria dos pesquisadores acredita que a pesquisa que produzem é valiosa, muitos estão reconhecendo que outros pesquisadores, professores, pais, jornalistas e formuladores de política – aqueles que idealmente devem se beneficiar e também se engajar com a pesquisa – em geral não acreditam devido a barreiras ao acesso que se somam à falta de relevância percebida.
Em parte, o problema da relevância e uso está ligado às universidades. Os comitês de Promoção & Estabilidade contam com medições indiretas de qualidade de pesquisa que são estreitas e restritas ao impacto de pesquisa-sobre-pesquisa. Em primeiro plano está o Journal Impact Factor (JIF) que sempre atua como árbitro supremo da responsabilidade de pesquisa e estruturas de incentivo. As limitações de medições indiretas têm sido amplamente reconhecidas e milhares de signatários, incluindo editores de revistas e pesquisadores de várias disciplinas, assinaram a San Francisco Declaration on Research Assessment (DORA, 2012) – uma iniciativa mundial incentivando as pessoas e organizações a avaliar adequadamente a pesquisa científica através da eliminação da medição baseada em revistas para determinar financiamento, considerações para nomeação e promoção e para colocar mais ênfase na própria pesquisa e menos ênfase nas revistas onde a pesquisa está publicada.

Tensões inevitáveis. Num esforço para melhorar o acesso e o uso da pesquisa, pesquisadores começaram a usar meios alternativos para disseminar a pesquisa e também avaliar o seu impacto. Dentre os meios mais usados estão a publicação em revistas de acesso aberto para expandir o acesso usando a Medição de Nível de Artigo e a coleta de altmetrics – que inclui referências de avaliação em bancos de dados bibliográficos, consulta a resumos e artigos, downloads ou menções na mídia social e jornalística – para complementar as contagens bibliométricas e de citação.
Mesmo assim, à medida que estes modelos alternativos e métricos são desenvolvidos, tensões podem surgir devido ao atual uso amplo de medição simples, mas indireta, para determinar o que constitui rigor e qualidade de pesquisa. O que queremos destacar é que cada vez mais os pesquisadores estão usando mídia social como Facebook, Twitter, YouTube e similares para atingir o público e ampliar as audiências além dos clientes regulares de revistas de pesquisa em Educação.
Questões essenciais estão, portanto, sendo feitas em relação ao que conta como qualidade de pesquisa em Educação. Como se determina o impacto da pesquisa no atual ambiente contemporâneo? Como pode ou como deve a mídia social, por exemplo, valer em relação à promoção e estabilidade?
Estas questões, que refletem as tensões entre os benefícios para os pesquisadores individuais na Academia e o benefício para o público, embora desafiadores, são inevitáveis à medida que o campo de pesquisa se desenvolve.
Concordamos com Juan Pablo Alperin, que explica que “Almetrics são capturadas da WEB (i.e., mídia social, blogs, Wikipedia) e, portanto, são (de alguma forma) mais democráticas – um leitor, um voto. Mais precisamente: um leitor, vários potenciais eleitores. Diferente das citações, que somente podem ser contadas se o documento citado estiver num grupo seleto de revistas, altmetrics são contadas independentemente de onde está o mundo em que elas se originaram, com uma importante consequência: elas abrem a possibilidade para rastrear o impacto em novos segmentos, tanto dentro como além da academia.”

Alargar a acessibilidade. Acreditamos firmemente que a autonomia dos pesquisadores para explorar áreas de interesse científico e se engajar na produção do conhecimento deve permanecer como base da liberdade acadêmica necessária para o trabalho criativo e crítico. Mas é igualmente importante que os pesquisadores educacionais comecem a prestar muito mais atenção a se, e até que ponto, o conhecimento que produzimos é acessível e usado pelos profissionais, formuladores de políticas e o público em geral.
Consideremos, por exemplo, o potencial impacto de aumentar o acesso do público ao conhecimento produzido pelos pesquisadores dando acesso aberto à bolsa de estudos dos pesquisadores. O acesso aberto se refere a formas de publicação acadêmica pela qual o artigo é “digital, online, gratuito, e livre da maior parte das restrições de direitos autorais e de licença” (Peter Suber). Embora a prática comum entre as universidades seja premiar os pesquisadores com base no número de publicações em revistas acadêmicas, com peso específico dado às chamadas revistas de prestígio, as políticas de acesso aberto rompem com estas noções tradicionais de medição de impacto porque o acesso aberto proporciona o acesso público. Estas medidas oferecem uma abordagem clara para tornar a pesquisa mais acessível e impactante ao público em geral.
Igualmente importante é assegurar que o conhecimento da pesquisa seja também acessível em relação ao entendimento dos leitores do trabalho e de como ele pode ser aplicado. Isto maximiza as chances da pesquisa ser disseminada usando-se vários meios a fim de maximizar o seu alcance para um corpo variado de profissionais da Educação e formuladores de políticas. O uso de sumários de políticas, comentários em vídeo e recursos de mídia social, para citar apenas alguns, oferecem alternativas de pesquisa que ampliam o acesso do público ao conhecimento de pesquisa.

Pesquisa não usada existe? Reconhecemos que os desafios, como a dificuldade de se medir o impacto da pesquisa ou traduzir as complexas e especializadas linguagens científicas sem perder o poder explanatório (para nomear apenas dois deles), são complexos e não têm respostas simples. Isto pode levar os docentes a novas áreas e especialidades ao facilitar e avaliar a conscientização e aplicação da pesquisa (como extensão, talvez, da “pesquisa ação”). Acreditamos também que o rigor da pesquisa irá melhorar quando o conhecimento da pesquisa for basicamente produzido e informado através de múltiplos diálogos com públicos relevantes e, em última instância, para o bem público.
Como um número cada vez maior de pesquisadores usa revistas de acesso aberto e faz uso de altmetrics nas suas pesquisas, as universidades e os centros de pesquisa ficarão com várias dúvidas, incluindo questões relacionadas à estabilidade e promoção, recursos financeiros para apoiar a mobilização do conhecimento e treinamento da próxima geração de pesquisadores para melhorar o impacto da pesquisa através de uma variedade de métodos tradicionais e contemporâneos.
Embora a Universidade sempre irá proporcionar um terreno fértil para a inovação, ciência e exploração, a hora parece ter chegado para se considerar simultaneamente as limitações do modelo “publicar ou morrer” e começar a considerar que a pesquisa que não é usada pode não existir.
Os pesquisadores da Educação e suas instituições precisam achar maneiras de melhor gerenciar as tensões entre a avaliação da qualidade da pesquisa, o impacto da pesquisa, o entendimento social e pedagógico, a relevância social e científica para atender nossa obrigação ética de servir ao público e fechar a fissura entre a produção de pesquisa, o seu acesso e o uso básico.

Gustavo E. Fischman e Adai Tefera


  
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