Página  >  Opinião  >  Qualidade da educação e prestígio dos professores

Qualidade da educação e prestígio dos professores

Por cada ano que passa, a profissão docente tem vindo a descer na escala de reconhecimento político e social. É, talvez, a profissão com maior fosso entre o discurso sobre a sua nobreza e importância e os modos pouco dignificantes como é tratada. A crescente desconsideração vai ampliando o sentimento de insegurança e de dispensabilidade dos professores, desgastando a sua identidade e profissionalidade e fragilizando o seu estatuto e a sua autoridade.

As evidências estatísticas revelam avanços significativos resultantes do processo de democratização do ensino em Portugal. Mas em algumas variáveis, como a qualidade nas aprendizagens e a realização de níveis de escolaridade, os dados persistem bastante débeis e colocam-nos ainda longe do desempenho, consistente e consolidado, da média dos países europeus. São, na generalidade, avanços satisfatórios, ou mesmo modestos, se tivermos em conta comparações com outros países e a relação com o tempo e os investimentos realizados.
A referência em boas práticas de outros países (por exemplo, o “milagre finlandês”), a par das vantagens, pode resultar na ilusão de que está a ser percorrido o bom caminho, ignorando etapas já realizadas, diferenças culturais e, sobretudo, a persistência, a continuidade e o rigor, política e socialmente colocados nas finalidades, nos processos e nas pessoas que são mobilizadas para realizar uma educação melhor para o país.
A análise dos percursos realizados por diversos países para atingirem a excelência dos seus sistemas educativos, aponta a qualidade e o prestígio dos seus professores como a magna variável; a docência, uma função nobre, politicamente apoiada e socialmente reconhecida e prestigiada; a educação como parte participada e integrante da sociedade e da cultura.

Desconsideração crescente. Em Portugal, face à crise económica e demográfica e às consequências de contínuas políticas educativas inadequadas, os governos têm procurado lidar com a Educação através de medidas economicistas desastradas, à custa das regiões mais debilitadas, dos professores e, certamente, em prejuízo da qualidade da Educação.
Neste cenário, a imagem social e o prestígio da profissão docente têm vindo a debilitar-se. É, talvez, a profissão em que é maior o fosso entre o discurso sobre a sua nobreza e importância social e os modos pouco dignificantes como é tratada em situações concretas.
Esta contradição reforça-se todos os anos, durante o processo de colocação, numa crescente desvalorização e exclusão, que para muitos é definitiva. Os dramas e perturbações que arrasta deixam cada vez mais fragilizada a representação social que se tem dos professores e o seu sentido de profissionalidade. O modo como o processo é desenvolvido pela tutela e como é exposto pela comunicação social aprofundam, na opinião pública, as contradições entre a nobre e indispensável função esperada dos professores, o investimento especializado nessa formação e a desvalorização humana e profissional que aquelas imagens veiculam.
Esta crescente desconsideração pela profissão docente vai ampliando o sentimento de insegurança e de dispensabilidade dos professores, desgastando a sua identidade e a sua profissionalidade e fragilizando o seu estatuto e a sua autoridade. Fragiliza-os também na sua relação com os alunos e famílias.
Por cada ano que passa, a profissão docente tem vindo a descer na escala de reconhecimento político e social. Passados 40 anos, com períodos de significativos avanços, mas com tempos, mais recentes, de dramáticos recuos, não foi ainda consolidada, na escola democrática, uma representação de professor com as caraterísticas necessárias – prestígio, autonomia, autoridade – para mover a Educação aos níveis de qualidade desejada.
Embora a precariedade das colocações e a exclusão atinjam mais diretamente uma parte dos professores, a verdade é que afetam toda a classe docente. Para os não colocados ou em situação de emprego precário, constitui um fator de desinvestimento vocacional e profissional; os que ficam têm de lidar com a erosão do seu estatuto e prestígio, tornando mais difícil desenvolver e consolidar uma cultura profissional alicerçada na confiança e na continuidade.

Pecado original. Sendo a qualidade e o prestígio dos professores variáveis centrais do sistema educativo, a qualidade da sua formação é, portanto, um fundamento essencial dessa centralidade. São inegáveis os avanços, nas últimas décadas, no domínio da formação inicial – universitária e politécnica – para todos os níveis de ensino, com planos e estruturas curriculares ajustados às funções esperadas e, em geral, alinhados com o que é feito em países com excelência na Educação.
Além da melhoria da formação, estas medidas constituíram passos importantes para a afirmação de um sentido transversal de comunidade docente, de identidade, profissionalidade e prestígio.
A par desta formação desenvolveu-se uma razoável comunidade de investigação educacional e consequente massa crítica. Avanços que, nos últimos tempos, têm vindo a ser seriamente comprometidos face às mudanças e às políticas desastradas e erráticas, para não dizer agressivas.
Também pelo lado da formação se tem mantido um pecado original. Sendo a excelência da docência o fator central da excelência da Educação, só os melhores deveriam aceder ao curso e à profissão. Por exemplo, na Finlândia, tantas vezes evocada como referência de boas práticas, só um em cada dez candidatos acede ao curso de formação inicial. Porque é uma profissão prestigiada, é naturalmente mais procurada. Entrando os melhores e mais motivados, a dinâmica, profundidade, exigência do processo de formação e qualidade dos perfis dos diplomados serão, provavelmente, melhores.
Em Portugal, sejamos francos, em algumas instituições de formação procuram-se alunos para preencher o numerus clausus. Nestas condições, mesmo que os planos e estruturas curriculares de formação sejam equivalentes aos melhores, a sua realização dificilmente pode atingir níveis de qualidade semelhantes.

Carlos Cardoso


  
Ficha do Artigo
Imprimir Abrir como PDF

Partilhar nas redes sociais:

|


Publicidade


Voltar ao Topo