Em nome da inclusão tudo se pratica, até mesmo a exclusão – desde que seja para o “bem” do aluno... Uma Escola inclusiva implica formas de organização, de objetivos, de estratégias, de avaliação, de ensino-aprendizagem e de interação que são incompatíveis com a Escola que temos atualmente.
1. Tem sido muitas vezes identificado e comentado o uso excessivo e inconsequente que tem sido dado à palavra inclusão. Sabemos quantas vezes a palavra tem sido empregue levianamente e querendo dizer coisas muito diferentes. Por exemplo, existem atualmente no mercado sapatos inclusivos, bagagem inclusiva, carros inclusivos e menus de restaurantes que se anunciam como inclusivos. No campo da Educação, a polissemia não é menor. Em nome da inclusão tudo se pratica, até mesmo a exclusão – desde que seja para o “bem” do aluno. O certo é que sob a designação de educação inclusiva abriga-se uma diversidade de práticas: umas mais pontuais, outras mais sistémicas; umas mais caritativas, outras mais cidadãs; umas mais consequentes, outras mais inconsequentes; umas mais verdadeiras e outras mais “para inglês ver”.
2. Hoje, o termo “inclusão” tem duas abrangências muito distintas: uma estrutural e radical e outra mais conjuntural e reformista. Vejamos... Habermas tinha já alertado para a radicalidade dos valores da inclusão colocando a questão: “Se aceitarmos a inclusão – a sério mesmo – onde é que ela nos irá levar?” Poderíamos perguntar-nos o mesmo, por exemplo, em relação aos Direitos Humanos: “Se os Direitos Humanos forem para ser tomados mesmo a sério, onde é que eles nos levam?” E aqui encaramos uma vertente muito radical da inclusão (e dos Direitos Humanos), que só não se assume como mais radical porque inventamos um grande número de subterfúgios e desculpas para não levar estes objetivos “a sério”. Alguns deles: “já estivemos bem pior”, “estamos no caminho”, “não se pode ir depressa para não deitar tudo a perder”, “não se pode levar isto a fio de espada”, etc., etc. Nas nossas sociedades só se fala tanto de inclusão porque sabemos que é para não ser cumprida, que não é para ser levada à plenitude das consequências que a sua aceitação implicaria. Construir uma Escola inclusiva implica o desenvolvimento de formas de organização, de objetivos, de estratégias, de avaliação, de ensino e aprendizagem e de interação que são incompatíveis com a Escola que temos atualmente. E assim fica patente este sentido profundamente estrutural, radical e revolucionário no conceito de inclusão. Vista nesta perspetiva, a inclusão não pode ser feita por alguns professores, em alguns momentos, para alguns alunos, em certas circunstâncias – é uma abordagem holística que se incompatibiliza estruturalmente com o modelo de Escola tal como existe atualmente. Que sobraria de uma Escola tradicional se se tornasse efetivamente inclusiva? Se quisermos levar a sério a inclusão, precisamos de “mudar de casa”: fundar uma Escola em que todos os valores inclusivos estejam vigentes e harmonizados. Mas...
3. O que faremos da Escola de hoje, onde somos professores? Sabemos que as mudanças educativas são lentas, penosas, com avanços e recuos. São, sobretudo, parcelares. Com exceção dos espíritos que acreditam que um dia haverá uma revolução telúrica semelhante às de 1789 ou 1917, precisamos de encontrar caminhos para promover a inclusão na Escola que temos hoje. E aqui encontramos numerosos campos de intervenção: a formação de professores, o apoio aos professores e aos alunos, a melhoria do trabalho cooperativo, a diversidade curricular, o encontro de novas formas de avaliação, a promoção da participação e da cidadania na governação e na gestão da escola, etc. Os professores que denodadamente tentam modificar práticas e valores educacionais para os tornarem mais inclusivos são, por vezes, desconsiderados pelos colegas mais “críticos”. Dizem eles que “uma andorinha não faz a primavera”, “que amanhã estará tudo na mesma”, que “a inclusão são jogos florais” ou mesmo que “a inclusão é uma grande cortina de fumo para ocultar os reais problemas da Escola”. Criticam-se, enfim, os colegas que tentam “consertar o telhado”. É difícil optar exclusivamente por uma posição ou por outra. E perguntaria: por que se tem de optar se é possível ter as duas?
4. Precisamos, sem dúvida, de uma visão crítica que nos lembre a radicalidade do conceito de inclusão, de quão estruturais têm de ser as mudanças na Escola para que se transforme numa estrutura social inclusiva e promotora de inclusão. Mas precisamos, também, de professores militantes que, sabendo que a caminhada é longa e o destino distante, metam pés ao caminho, de forma a aprenderem e ensinarem como é que, mesmo em meios muito adversos, se podem construir vivências, experiências, conhecimentos e atitudes que nos aproximam mais da inclusão. E porque e como haveria a inclusão de prevalecer se ninguém testasse a sua viabilidade? Se ninguém desafiasse a sua possibilidade? Seria, certamente, uma inclusão feita por decreto. Quer dizer, um disparate. Assim, estamos neste dilema de consertar o telhado (aproximam-se as chuvas de inverno), mas a sonhar mudar de casa. Mudar para uma casa – não sei se maior, ou mais exuberante – onde todos tenham um lugar na sala, na mesa, no quarto, e sobretudo uma real igualdade de oportunidades e de dignidade. Sonhando com a mudança, juntando dinheiro para ela, não podemos deixar de consertar o telhado. É debaixo dele que dormiremos esta noite.
David Rodrigues
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