“Eu compreendo que a censura os irrite, porque não há nada que o homem considere mais sagrado do que o seu pensamento e do que a expressão do seu pensamento. Vou mais longe: chego a concordar que a censura é uma instituição defeituosa, injusta, por vezes, sujeita ao livre arbítrio dos censores, às variantes do seu temperamento, às consequências do seu mau humor. A censura hoje, por muito paradoxal que a afirmação lhe pareça, constitui a legítima defesa dos Estados livres, independentes, contra a grande desorientação do pensamento moderno, a revolução internacional da desordem.” [António Salazar em entrevista com António Ferro, Diário de Notícias, 19.12.1932]
Para a Clorofila, com violetas
O realizador de Catembe, Manuel Faria de Almeida, nasceu na actual Maputo e integrou o grupo que lançou o Novo Cinema, após ter sido um dos bolseiros do FCN formados na London School of Film Technique, no início dos anos ‘60 do século passado. O facto de ter sido considerado o melhor aluno da escola até então, aliado à sua pretensão de fazer um filme sobre o Ultramar, valeram-lhe o aval do Conselho do Cinema e o consequente apoio à obra. Na sua ‘declaração de intenções’, o realizador descreve Catembe como um “filme essencialmente poético (na acção e na imagem), com pouco diálogo, onde sobressai a beleza de Lourenço Marques, rica ou pobre, feliz ou triste, e a comunhão entre pretos e brancos no mesmo portuguesismo...” A rodagem do filme durou entre duas a três semanas. Devido à falta de recursos não houve repetição de takes. Depois de ter sido visionado por um delegado do SNI [Secretariado Nacional de Informação], este recomendou que quando fosse submetido ao Conselho do Cinema estivesse presente um elemento do gabinete do Ministério do Ultramar. A 19 de Dezembro de 1965, a primeira versão do filme é vista pelo representante do Ministério do Ultramar, que impõe a primeira censura. No dito parecer, era referido que, “se o texto fosse aceite como expressão autêntica da realidade laurentina, teria de concluir-se que era notável a brandura de costumes e baixo o índice de cultura (...), convinha rever totalmente o texto para que na Metrópole se não fizesse uma ideia errada da vida social daquela parcela portuguesa (...), era inconveniente o filme aparecer como subsidiado pelo SNI” e, concluía, era preciso “o arranjo do filme”. Segundo Faria de Almeida, “entre outras coisas, era preciso cortar todos os bocados onde se dissesse “Lisboa, em Portugal”, “voltei a Portugal”, “cheguei a Portugal”, etc., cortar todas as vistas dos bairros do caniço, cortar os pretos descalços, cortar as inglesas, etc... A nota terminava a dizer que no filme havia duas sociedades distintas, inteiramente separadas uma da outra: a branca e a negra. O chefe do SNI, César Moreira Baptista, recusou-se a pagar o subsídio sem que o Ministério do Ultramar se pronunciasse em definitivo. Catembe seria sujeito a nova censura, da Agência Geral do Ultramar. Mais um parecer e mais cortes... Faria de Almeida confirma que foram feitos cortes em 103 planos – um record mundial que levou à entrada de Catembe no Guinness. Sobre o resultado, o realizador recorda: “O filme ficou sem sequência, sem ritmo, sem sentido. O Conselho do Cinema verificou em 26 de Abril (1965) que estava tudo cortado como havia sido exigido, mas não refere que o filme, na forma em que estava, com cortes em 103 planos, era impassável! Fez-se então uma remontagem, executou-se nova banda sonora e tirou-se nova cópia síncrona, então com apenas 45 minutos de projecção.” Catembe foi então apresentado à Censura... que ordenou mais cortes, contestados pela produção. Pouco depois, através do ofício no 430/66, de 28 de Fevereiro, o inspector-chefe comunicou a proibição do filme, “por não ser oportuna a sua exibição” – “Acabou, mandei-o para a Cinemateca”, disse Faria de Almeida. A história deste filme dava um filme... Para quem quiser conhecê-la com todos os pormenores, recomendo o livro «Censura Nunca Mais!», coordenado por Ana Cabrera e publicado pela Aletheia Editores. O artigo em causa é de Maria do Carmo Piçarra.
Paulo Teixeira de Sousa
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