Para o Manuel António Pina
Estava eu a ver o Paulo Portas “a vender o seu peixe patrioteiro”, como tu dizias, quando vi passar no rodapé a notícia da tua morte. Fiquei... Como deves imaginar, foi “a notícia mais inesperada que podia esperar”. Pensar que nunca mais pegarei no JN para procurar a tua crónica... Quando alguém gosta tanto de fazer qualquer coisa como tu gostavas, custa saber que já não poderás fazer. É tão simples como isso. Fica-se triste, estupidamente triste, quando se sabe que morreste. Fica-se triste por não se ter aproveitado melhor aquelas conversas no Orfeuzinho. A forma como falavas daquele filme (e de tudo) de que tinhas gostado, aquele brilhozinho nos olhos, aquele comentário lúcido... A tua lucidez era o melhor de ti. Por isso, vou deixar aqui um poema do teu livro, parafraseando Godard, com o título mais bonito de sempre da literatura portuguesa: “Ainda Não É o Fim do Mundo Calma É Apenas Um Pouco Tarde”.
A Ilha Nua (Depois de ter visto o filme A ilha nua, de Kaneto Shindo)
animal passageiro a quem já sobra dentro da boca o susto da viagem tu que com cuspo aprendes a paisagem e és o juro que a usurária cobra
animal educado a quem a dor repete intimamente e habitua e tão intimamente continua a breve continência exterior
tu que passas sem pressa sem assombros a que afogas na sede que te apressa teu líquido senhor que pesa pesa nos teus cristóvãos portugueses ombros
tu com sono a glabra ilha lavras e com o sonho avidamente a usas na dura arquitectura das palavras tu que tudo te dura das palavras
Steve Jobs, no célebre discurso da Universidade de Stanford, em 2005, disse que “a morte é capaz de ser a melhor invenção de todas”. Enganou-se. Contigo, Manuel António, morreu uma coisa grande. Que pena... Que pena...
Paulo Teixeira de Sousa
P.S. De 10 em 10 anos, a revista Sight and Sound organiza uma sondagem junto de críticos e profissionais de cinema de todo o mundo para escolher “os melhores filmes da história do Cinema”. Este ano, o escolhido foi, finalmente, um diferente: Vertigo, de Hitchcock, substituiu Citizen Kane, de Orson Wells, como “o melhor filme de todos os tempos”. Pois, então, uma boa notícia: vamos ter oportunidade de ver Vertigo em sala, em cópia digital restaurada – sinal dos tempos. Será a possibilidade de o ver como nunca o vimos e como Hitchcock nunca o fez. Como dizia Luís Miguel Oliveira no Y de 9 de novembro, “o melhor filme que o circuito tem para nos mostrar tem estreia a 20 de Dezembro”.
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