Quando ouvimos repetidamente os atuais governantes, ou outros por eles, alegarem que, para vencer a crise económica, financeira e moral que avassala o País, é necessário “refundar o Estado e renovar a Constituição”, somos levados a perguntar se não é urgente refundir primeiro as mentes...
Admitamos que esta ainda é a Hora de que falava o Poeta Mensageiro nos alvores da formulação da República, certamente com a fé de que o País não incorreria no risco de contar com uma Vigésima Quinta... Mas ouvindo e vendo que ainda estamos em hora de responsabilizações, em que a culpa dos nossos males é do antecedente (ora do governo passado, que não preveniu o futuro; ora de Salazar, que nos isolou da modernidade; ora de D. Afonso Henriques, que nos separou da Espanha; agora da Alemanha, que não se comove com o nosso fado; etc., etc.), só falta ouvir culpar um Outro por termos sido feitos como somos... Isto é, acreditando piamente que se não há bem que sempre dure, também não há mal que nunca acabe. O mesmo é acreditar, como ouvimos dizer amiúde, que há sempre uma alternativa. Impulsionados por esta convicção ou esperança, enquanto se espera por melhores dias, uns compram ouro e prata, aforram capitais e poupanças em bancos tidos por seguros e, com o que fica para fundo de maneio, vão a Roma para orar com o Papa e jogar moedas na Fonte de Trevi; outros, que menos têm, como último recurso vendem joias de família e desfazem-se ou alugam terras de cultivo; os que nada têm, animam a alma ouvindo falar das prospeções de gás e petróleo em Aljubarrota e Alcobaça, quando vão em peregrinação a Fátima, e de minas de ouro no Alto Minho, quando vão em peregrinação a Santiago de Compostela. Ou de consulta a Vilar de Perdizes, se já não lhes chega visitar os oráculos e buscam na palavra dos oragos, pitonisas, astrólogos e cartomantes algum alento para enfrentar as dúvidas e os medos que lhes são suscitados, até, por importantes figuras públicas que escrevem livros e jornais e falam nas rádios e televisões. Isabel Jonet preconiza que os portugueses vão ter de aprender a viver com menos (não se referia aos pobres, certamente...); Adriano Moreira admite que a almejada unidade da Comunidade Europeia ceda aos egoísmos nacionais; Vasco Lourenço não exclui que a guerra possa ser um resultado de conflitos sociais não resolvidos. Na verdade, em que acreditar, sem temer? Diz um provérbio angolano que “o que ensina o tempo, nem a escola se lhe compara”. Isto deve ser entendido, claro, não como uma menorização da Escola (os africanos são ávidos dela!), mas como um alerta contra a educação desligada do saber da experiência feito, o mesmo é dizer, da história já vivida e depurada das fantasias, falsidades ou meias verdades que geralmente levam os simples e os incautos ao erro ou à perdição. Acreditar no visto e avaliar o feito não tem sido uma lição aprendida pela generalidade dos portugueses – e só estes nos interessam – em demasiados tempos da sua história, apesar de, ao contrário do que muitos afirmam, esses tempos poderem repetir-se. O que hoje mesmo podemos confirmar, quando, depois de sermos um País – isto é, um Estado – orgulhoso e rico (o nosso Tesouro em ouro ainda se conta entre os maiores da Europa), vemos a governança lançar a concurso internacional os bens que os economistas consideram o capital fixo. Falámos atrás numa Alemanha dura de coração e ocorreu-nos a substanciosa referência que Norton de Matos, em Memórias e Trabalhos da Minha Vida (IV volume, 1946) faz ao tempo crítico da sua partida para assumir o governo de Angola, em 1914, e ao cerco que as potências europeias promotoras da Conferência de Berlim (1884-85) começavam a fazer às colónias portuguesas de África, designadamente a Alemanha, em Angola e Moçambique. E Norton de Matos, preocupado com a despiciência dos últimos governos de Portugal, que não cuidavam da “sorte” de terem colónias e uma metrópole excecional em terra, mar e ar, questionava, repetindo vozes muito antigas e outras ainda ouvidas no século anterior, como a de Antero de Quental e de Oliveira Martins: Qual a razão de tão fraco poder económico, de tanta pobreza e de tanto atraso, quando são tão vastos e tão ricos ainda os nossos territórios do ultramar? Porque motivo nos vemos forçados a sofrer as agruras da emigração para países estranhos, quando sobram terras nossas para povoar e valorizar? Como explicar que as riquezas que o nosso trabalho e o nosso esforço têm arrancado, durante séculos, de terras portuguesas da Europa, da África, e do Oriente, pouco ou nada deixam no país e vão alimentar países estrangeiros? Não poderiam as actividades, que estranhos exercem nas nossas terras, ser apanágio de portugueses e apoiadas em capitais portugueses? Feitas hoje estas perguntas ao putativo destinatário, a pior resposta seria um plágio do Poeta Mensageiro: “da obra ousada, é minha a parte feita: / O por-fazer é só com Deus”. Deus nos livre, se for assim.
Leonel Cosme
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