Há um hábito muito incorporado no senso comum de muitos alunos e professores que é o de considerar muitas diferenças como patologias. Este pensamento é muito autocentrado e monista, como veremos, mas pode ser alterado. Na verdade, o outro é sempre avaliado comparativamente com o “eu” ou com o “nós”, mas não tem de o ser de forma negativa. Quer dizer, o eu/nós, o sou/somos são a referência. Os outros não são como nós, não são capazes de, não entendem como nós... Mas este olhar pode ser relativizado na medida em que se consiga pensar a partir de outros pontos, que não só o nosso lugar. Assim, o outro pode ser visto apenas como diferente e não como deficiente ou desigual. Buscar esse olhar cruzado na busca de entendimentos e intercompreensões é o papel do mediador. Quando o outro é estrangeiro, ou muito diferente da cultura de quem avalia, ele é arrumado em categorias estigmatizadoras: estranho, muito agitado, pouco interessado... É avaliado como fora da norma, da nossa norma. Neste sentido, não é difícil encontrar no mundo social em geral, e em particular no mundo da Escola, pessoas, alunos e professores, que acabam por classificar a diferença como deficiência, a referida patologia construída. Mas o real sociocultural é exatamente o contrário desta avaliação monolítica e monocultural: o que é normal é ser diferente; ser diferente é ser humano. É o daltonismo ou mesmo a cegueira cultural que nos leva a avaliar um grupo como uniforme em vez de heterogéneo. Nas escolas, por exemplo, as turmas não são a preto e branco, apenas homogéneas ou heterogéneas. As turmas são sempre heterogéneas! E temos de entender, também, que a vida é sempre espaço/tempo lugar de tensões sociais e problemas emergentes, diversidades em diálogo ou em anti-diálogo. E as escolas e as turmas não escapam a essa realidade complexa que contém a diversidade na unidade, invisível para muitos ou vista de forma patologizante para outros. São estas atitudes ou práticas, na Escola ou no mundo social em geral, que têm de ser relativizadas para que a classificação da diferença seja entendida como uma normalidade ou, até, uma mais-valia e não como um problema, um obstáculo ou mesmo uma deficiência. Vemos a medição sociopedagógica, alimentada pela pedagogia social, como uma ferramenta de transformação deste olhar monocultural e etnocêntrico, que começa muito cedo a ser incorporado nas crianças e jovens, na família, na Escola e entre os pares. Neste sentido, a pedagogia social tem de ser operacionalizada para transformar este olhar que teima em ver a diferença como deficiência. Nesta linha, idealizamos o exercício do profissional da pedagogia social e da mediação, não só no trabalho comunitário fora da Escola, atuando com grupos de imigrantes, etc., mas também, e particularmente, na Escola contemporânea, que se diz para todos, onde, em consequência, a diversidade cultural se torna cada vez mais notória e onde o professor, treinado tantas vezes nessa lógica pedagógica pouco diferenciada, centra o seu ritmo e o seu método numa entidade monoculturalizada – a turma. Defendemos, além disso, o trabalho em rede com outros profissionais de mediação que trabalhem o potenciar da diferença e do diálogo intercultural nas escolas, sem estigmatizar a diferença. Parecem apenas palavras, mas trata-se de um assunto sério, complexo e vital, a implementar nas escolas da sociedade contemporânea. Este trabalho obriga a que educadores, professores e profissionais de mediação percebam o que são culturas particulares, hegemónicas, dominadas, particulares, identidades pessoais, culturais e sociais e a sua interação e comunicação em espaços comuns, onde se vive ou convive. Como nos ensinou Paulo Freire, texto e contexto remetem-se mutuamente, o que implica que todo o processo de ensino-aprendizagem terá de ser visto como um processo de mediação entre o conhecimento novo e o background cultural e identitário de cada pessoa, pelo que a realidade escolar não é redutível a um paradigma dicotómico de 8 ou 80, de bons e maus alunos. A realidade é bem mais complexa, porque cada aluno tem identificações comuns, mas também particularidades e diferenças idiossincráticas que, muitas vezes, a Escola não conhece, ignora ou classifica de deficiência ou patologia, mesmo de uma forma não consciente. Urge transformar este juízo valorativo, simples e sustentado por paradigmas comportamentalistas, behavioristas, de causa-efeito, por uma compreensão, uma hermenêutica multitópica: compreender e não julgar; comunicar e não separar; dialogar e mediar, ao invés de separar, culpabilizar ou patologizar. Eis uma pista para o desenvolvimento da pedagogia social em prol da mediação intercultural.
Ana Vieira
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