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Educação não é escola. Aprender não é (apenas pela) educação

Se para alguns a primeira afirmação poderá parecer uma evidência; se para outros poderá parecer mais uma “modernice” das Ciências da Educação, ela mais explicitamente pretende clarificar que a Educação não se restringe à Escola, por um lado, mas que este movimento deverá igualmente ser considerado no sentido inverso, por outro. Quero com isto dizer, escolarizar menos os assuntos da vida e acentuar mais a dimensão educativa (e não estritamente instrutiva) da Escola.
Os assuntos da vida, os assuntos da sociedade, entram pela porta grande da Escola: entendeu-se que, havendo crianças cujas dificuldades radicam num frágil apoio familiar, necessário se tornava formar os seus pais; o acesso dificilmente controlável à informação tornou óbvio que, por muito conservador que se queira ser, não se pode evitar falar da vida sexual com os jovens; a participação social, mascarada de cidadania ou ainda de alguma perspetiva de civismo, aparece como mais uma dimensão a trabalhar por antecipação. E onde caem todas estas “urgências”? Na Escola, segundo os modelos da Escola e ignorando as particularidades do mundo da vida das pessoas.
É neste contexto que, privilegiando agora a segunda afirmação do título, quero propor uma breve reflexão a partir das palavras de Munir Fasheh, professor de Matemática, palestiniano, que pensa e discute a Educação menos a partir da figura institucionalizada da Escola e mais a partir das comunidades onde as pessoas se inserem, têm raízes e constroem as suas fundações.

Num artigo onde discute “Como erradicar o analfabetismo sem erradicar os analfabetos?”, Munir Fasheh afirma ser sua preocupação “garantir que o aprendiz não perca o que já possui; que ser alfabetizado não pode ser considerado superior a outras formas; que o aprendiz possa utilizar o alfabeto, em vez de ser usado por ele”; por outras palavras, “precisamos analisar não somente o que a alfabetização acrescenta na forma como é concebida e implementada, mas também o que subtrai ou torna invisível”.
A experiência de Fasheh numa nação sem Estado, permanentemente sob a observância e controlo de outra nação, agudiza a sua sensibilidade para a questão do controlo (social) efetuado por intermédio das instituições: a Escola é uma e não deixa de evidenciar uma perspetiva hegemónica de entender o que se deve aprender, mas igualmente o que deve ser educar. Nas suas palavras, “universalismo, mais do que qualquer outra coisa, tem sido a causa principal para se eliminar a diversidade que, a meu ver, constitui a essência da vida”.
E, reportando-se ainda à alfabetização, Fasheh acrescenta, “a linguagem é limitada em termos de compreensão. O facto é que experimentamos muito mais do que podemos entender por meio da mente, e compreendemos muito mais do que podemos expressar pela linguagem”, o que o leva a afirmar, ainda, que a “educação representa apenas uma das formas de aprender: (...) a minha esperança era que aprendêssemos, de novo, como ser humildes e nos tornássemos conscientes da diversidade de formas de aprender, conhecer, perceber, viver e se expressar, e que tais formas não podem ser comparadas usando medidas lineares”.
Afirmei nas páginas desta revista, em artigo anterior [Resgatar a experiência, no 193], que embora o programa de formação de adultos de reconhecimento, validação e certificação de competências (RVCC) tenha inegáveis características positivas – desde logo por eleger a experiência dos sujeitos como fonte de recursos essencial –, o problema é que a sua legitimação só se faz por aferição a um quadro de qualificações formais. Era exatamente aqui que queria chegar: o saber experiencial não tem de ser reconhecido para conferir qualificações, ele tem de ser reconhecido como modo alternativo de aprendizagem.
Vale a pena ainda destacar, na visão de Fasheh, aquilo que deveriam ser considerados os direitos humanos fundamentais: “interpretação pessoal” e “investigação independente de significados”. Para o autor, “ironicamente, não recebem menção na Declaração Universal dos Direitos Humanos!”

E se a Educação não é forma única de aprender, a Escola não será certamente o modelo exclusivo de educar, mas...
A este respeito, um outro autor respeitado e algo “na moda”, o sociólogo polaco Zygmunt Bauman, refere, no artigo intitulado “Education in Liquid Modernity”, a propósito da concorrência ao monopólio dos estabelecimentos de ensino enquanto guardadores do conhecimento (concorrência, entre outros, dos fornecedores de software informático), que um dos mais notados efeitos desta concorrência sobre teóricos e práticos da Educação é a mudança de acentuação do ‘ensinar’ para o ‘aprender’: “transferir para o estudante individual a responsabilidade pela composição da trajetória de ensino/aprendizagem (e, obliquamente, pelas suas consequências pragmáticas) reflete a crescente falta de vontade dos estudantes em assumir compromissos de longo prazo que constranjam o leque de opções futuras e limitem o campo de manobra”. Mas importa perceber que a não exclusividade da Escola como lugar da Educação pode ter mais do que uma interpretação: “Entre os efeitos conspícuos das pressões de desinstitucionalização estão a ‘privatização’ e a ‘individualização’ das situações de ensino/aprendizagem, bem como uma gradual, ainda que implacável, substituição da ortodoxa relação professor-aluno pelo padrão fornecedor-cliente ou consumidor de centro comercial”.
Poderíamos acrescentar às palavras de Fasheh que, para além de limitada em termos de compreensão, a linguagem presta-se igualmente a vários equívocos de interpretação.

Henrique Vaz


  
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