A solução da Escola do presente não está na restauração da Escola do passado, nem nas mudanças “cirúrgicas” que, apesar de parecerem muito modernas, não entendem toda a interdependência das alterações necessárias para que uma escola se torne espaço de inclusão, de equidade, de cidadania e de solidariedade.
Visitei uma vez mais a Escola da Ponte, em Vila das Aves. Pela primeira vez desde que mudou para um edifício de excelente qualidade arquitetónica, que há muito os seus docentes e alunos mereciam. O provérbio popular que defende que “um bom artista trabalha com qualquer ferramenta” não passa de uma desculpa esfarrapada para não dar aos artistas as ferramentas de que eles precisam e que merecem para fazerem o seu trabalho! Os recursos de espaço, de conforto, de mobiliário, etc., de que uma escola dispõe não são acessórios descartáveis; são elementos integrantes da qualidade educativa total que ela proporciona. Este conforto e qualidade do ambiente são meios que podem proporcionar um trabalho pedagógico mais fácil e sobretudo menos dispendioso em energia inútil para tentar remendar e improvisar situações desadequadas. Sabemos que há exceções, mas não as confundamos com a regra. Fiquei, pois, muito feliz com a nova casa da ‘Ponte’. Sei que nem tudo são aspetos positivos. O desenraizamento da antiga comunidade, a negociação com outros projetos pedagógicos contíguos são, entre outras, dificuldades que é preciso encarar para além da luz das novas instalações. Mas o projeto está lá: a mostrar que a ‘Ponte’ não é um prédio, mas uma ideia com os pés no presente e o olhar lá longe, no futuro das crianças, das famílias e dos profissionais que cimentam esta comunidade educativa ímpar em Portugal. Como sempre, saímos da ‘Ponte’ a matutar... A pergunta mais imediata que a mim e a muitos pedagogos se coloca é por que não há muito mais escolas como esta? É uma pergunta imediata, mas de resposta difícil, sobretudo se a quisermos analisar nas suas intrincadas implicações. Conhecendo a amplitude e a complexidade do assunto, assim mesmo, gostaria de partilhar uma reflexão do lado das respostas. Há alguns anos quando se discutia a permanência de Portugal na NATO [Organização do Tratado do Atlântico Norte], alguém lembrou que “em estratégia não há lugares vazios”. Queria-se dizer que, no caso de Portugal sair da NATO, a jurisdição e o controlo que detinha sob os espaços aéreos seriam assumidos por outro país. Se assim acontecesse, ouviríamos certamente inúmeras vozes – talvez até as mesmas que tinha pedido o abandono da aliança militar – a lamentar que Portugal se tinha enfraquecido e fora desapoderado de uma capacidade que tinha antes. E o que tem isto a ver com a Escola da Ponte? Tento explicar.
Repensar o trabalho de aprender e de ensinar A reforma da Educação no sentido de a tornar mais equitativa, mais inclusiva e mais próxima de favorecer a participação e sucesso de todos os alunos é uma reforma que não pode ser vista como um acrescento ao que existe, mas sim como uma alternativa à realidade existente. Por vezes, e de forma um pouco ingénua, procuramos promover novas práticas educativas como se a Escola estivesse ansiosa, sequiosa e carente destas novas filosofias e práticas. E talvez esta crença seja um dos motivos principais do insucesso de projetos de inovação. É que, na verdade, a Escola não está “vazia” e “carente” de reformas – qualquer escola encontrou já uma lógica, um pensamento, um modus faciendi, para resolver as questões que as reformas educacionais pretendem melhorar. As reformas educacionais não atuam em espaços vazios, mas sim em espaços que já estão ocupados, com lógicas e com práticas que são quase sempre consideradas satisfatórias ou vistas como inevitáveis (tem de ser...). Os projetos de melhoria das escolas tentam assim influenciar espaços educativos já preenchidos por ideologias e práticas. Por isso, as mudanças e acrescentos circunscritos e pontuais não encontram espaço disponível. Teremos certamente de “repensar o trabalho de aprender e de ensinar” (P. Perrenoud) de uma forma global e totalizante, sabendo que a solução da Escola do presente não está nem na restauração da Escola do passado, nem tão pouco nas mudanças “cirúrgicas” que, apesar de parecerem muito modernas, não entendem toda a interdependência das alterações necessárias para que uma escola se torne num espaço de inclusão, de equidade, de cidadania e de solidariedade para todos os alunos. As reformas educacionais não podem assumir que o seu espaço de atuação está vazio e recetivo. Trata-se de conceber e desenvolver as reformas no quadro de uma dialética, de um debate permanente e desafiante das ideias e das práticas que se encontram instaladas. Uma reforma que não se queira embutir de forma parcelar nos espaços existentes, mas que crie amplos espaços de reflexão e de alteração substantiva das finalidades e heurísticas da Educação. E daqui se podem extrair duas conclusões muito simples: 1) não é possível pensar reformas educacionais sem partir da realidade das escolas, isto é, dos lugares que, estando já habitados, precisam de mudar de inquilino, 2) toda a organização da Escola deve ter por objetivo central as aprendizagens dos alunos, obviamente vistos como pessoas com conhecimento próprio e merecedoras de confiança. Uma vez mais, obrigado, Escola da Ponte! Estamos ao vosso lado, porque vocês acreditaram na Educação antes de a Educação ter acreditado em vocês!
David Rodrigues
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