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Quando (não) agir face a crianças e adolescentes: uma arte difícil

O filme «Amo-te Teresa», de Ricardo Espírito Santo e Cristina Boavida, passa-se em torno da velha ideia do amor proibido. Teresa, uma médica, regressa para exercer a sua profissão na vila em que cresceu. O acontecimento proporciona uma série de reaproximações. Revê amigos da família e, sobretudo, torna-se íntima de uma amiga de infância. Dá-se o caso de essa amiga ter um filho menor, por quem Teresa, depois de sucessivas conversas, acaba por se apaixonar.
O meio é pequeno e o incipiente amor é rapidamente descoberto. A amiga depara-se com cartas e desenhos comprometedores. Desesperada, sentindo-se traída, corre para o centro da aldeia, contando a história a quem a quisesse ouvir – em altos berros e usando termos insultuosos. Teresa ainda tenta falar com ela, mas nada consegue: o escândalo consuma-se.
No dia a seguir, tudo está mudado. Em paredes estratégicas foram pintados ditos chistosos. Naquela manhã, ao dirigir-se ao café, a Dra Teresa não é servida, nem os doentes a procuram no centro de saúde. Passadas semanas, tem de pedir transferência e enfrentar um processo judicial.
Garfinkel denomina este género de fenómenos como rituais públicos de degradação da identidade social. A descoberta de um comportamento ou papel social condenável acaba por modificar radicalmente as interações sociais, a capacidade de gerar imagens positivas de si nos outros desaparece.
Ou seja, o papel de ninfomaníaca que é atribuído a Teresa esmaga todos os outros que até então lhe eram reconhecidos: de médica competente, de amiga, de pessoa de bem...
Escândalos à parte, este género de situações sucedem-se frequentemente no quotidiano, nomeadamente nos vários contextos de vida em que a criança se move.
Quando uma mãe nos diz “esta criança é hiperativa”, pode ser que o seja, ou então que a conclusão seja produto de uma série de interações erradas que se vão autoalimentando – como aconteceria com Teresa, se ficasse confinada à vila em que trabalhou. Exemplificando: a criança é irrequieta, a mãe não tem paciência, ralha-lhe, a criança fica mais instável... E assim sucessivamente, num ciclo que vai amplificando o que acontece.
Outra ilustração, esta de Comboy. A mãe diz ao filho que não pode comer chocolate; a criança de chocolate na mão aumenta a sua birra. A mãe, em vez de lhe tirar o chocolate – a intervenção direta deve ser sempre acompanhada pela remoção do estímulo – berra-lhe também, até já não conseguir mais, cede e deixa que ela coma, acabando por fazer o seguinte comentário: “esta criança tem uma força de vontade...”
Episódios precipitantes ocorrem, também, em contexto escolar. O aluno faz uma grande birra, deita-se no chão. O professor reclama prontamente relatórios do psicólogo e do médico de família, tentando perceber o que se passa com a criança. É legítimo esse movimento do professor. A mãe realmente conhece bem o seu filho, e ele apresenta um problema psicopatológico... Ou não. A criança é apenas irrequieta e fez uma birra mais espalhafatosa. A ida ao psiquiatra, os relatórios, tudo isso devolve à criança uma imagem de si mesma como sendo diferente dos outros meninos.
Como distinguir o correto? Como escolher agir ou não agir, que é também uma forma de intervenção?

Rui Tinoco


  
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