Para muitas crianças, pode ser a melhor oportunidade de crescerem de modo saudável, constituindo uma medida de inegável interesse e motivo de reflexão no âmbito da educação social especializada. No Porto, os dados recolhidos apontam nesse sentido.
A família é, regra geral, o melhor contexto para garantir o desenvolvimento da criança, a promoção da sua autonomia e o seu bem-estar. É natural, por isso, que nos casos extremos de maus tratos, em que cessam aqueles pressupostos, expondo a criança no seu contexto de vida a uma inaceitável situação de perigo, se deva considerar, como alternativa, a sua colocação num novo espaço familiar que garanta laços de afetividade e de proximidade, no respeito pela privacidade. O acolhimento familiar (AF) assenta no direito de cada criança à individualidade e ao afeto que as instituições, muitas vezes sobrelotadas, dificilmente podem proporcionar. Como reflexo dessa prioridade, são muitos os países que têm procurado assegurar que o AF seja, no âmbito da proteção da infância, a colocação preferencial nas situações de retirada da família. Todavia, em Portugal, o acolhimento em instituição abrange cerca de 95 por cento das crianças, tendência que se tem acentuado nos últimos anos e que revela um panorama sem paralelo nos restantes países da União Europeia, como se constata no relatório Children in Alternative Care: National Surveys (Eurochild, 2010). Entretanto, de acordo com dados do Instituto da Segurança Social, apresentados no relatório de caracterização anual da situação de acolhimento das crianças e jovens (2012), mais de metade das colocações familiares ocorrem no distrito do Porto. Até à data, é escassa a pesquisa sobre o AF. A realização de um estudo no Porto, no âmbito de atuação do INED, o Centro de Investigação e Inovação em Educação da Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico do Porto, é um contributo para o preenchimento dessa lacuna. O estudo adapta à realidade portuguesa a investigação El Acogimiento Familiar en España. Una evaluación de resultados (2008), desenvolvida por Del Valle, López, Montserrat e Bravo. A pesquisa, ainda em curso, pretende caracterizar e analisar as situações de AF e analisar o grau de satisfação dos acolhedores e das crianças acolhidas. Os dados foram recolhidos pelos membros das Equipas de Acolhimento da Segurança Social (EASS), responsáveis pelo acompanhamento das colocações, a partir dos dossiês respeitantes a todas as crianças acolhidas em maio de 2011; a recolha foi complementada pela realização de entrevistas presenciais e individuais com os acolhedores e de grupos de discussão com crianças acolhidas, com idade e maturidade necessárias para expressarem livremente a sua opinião. Os resultados serão divulgados oportunamente junto da comunidade científica e do público em geral. No presente, encontram-se disponíveis os dados recolhidos a partir dos dossiês das EASS em maio do ano passado, correspondentes a 289 crianças de 214 famílias de origem acolhidas por 167 famílias de acolhimento. Revelando alguns dados em primeira mão, podemos avançar que, no grupo em estudo, apenas 59 crianças estão acolhidas até três anos. Cerca de 55 por cento dos acolhimentos dura há mais de oito anos, revelando um modelo que aponta para a continuidade da colocação. O projeto de vida das crianças acolhidas aponta de igual modo para a permanência: a reintegração na família de origem é o projeto para somente 38 crianças (13,1%); pelo contrário, a autonomização é definida para 158 colocações (54,7%), pressupondo uma estadia até perto da maioridade e ao momento de transição para a independência. A evolução das crianças acolhidas é avaliada de modo positivo. Na perspetiva das EASS, a saúde melhorou (63,3%) ou permaneceu estável (36,3%). O mesmo padrão de resposta verifica-se relativamente à escolaridade, que melhorou (70,4%) ou permaneceu estável (26,5%) e apenas piorou num número reduzido de casos (3,1%), e à evolução do comportamento, que melhorou (59,2%) ou permaneceu estável (37,4%) e piorou em poucos casos (3,4%). Como reflexo dessa evolução, os resultados do AF são avaliados com êxito na grande maioria das colocações (81,8%), com alguns resultados numa parcela menor (15,8%) e com alguns ou graves problemas num número muito reduzido de casos (2,4%). O espaço familiar é o lugar e o tempo que deve proporcionar o afeto, a segurança, a aprendizagem dos limites. Para muitas crianças, o AF pode ser a melhor oportunidade de crescerem de modo saudável, constituindo, por essa razão, uma medida de inegável interesse e motivo de reflexão para a investigação no âmbito da educação social especializada. No Porto, os dados recolhidos apontam nesse sentido. De facto, a proteção não se circunscreve ao afastamento do perigo ou, inclusivamente, à recuperação física e emocional dos danos sofridos. Visa, também, garantir as condições necessárias ao desenvolvimento pleno da criança e é neste âmbito que faz todo o sentido falar do espaço da família, por ser o que melhor reúne as condições necessárias para atingir aquele fim.
Paulo Delgado
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