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Trabalhos de grupo: a economia de esforço

Que mundo tão parvo que para ser escravo é preciso estudar
(Deolinda)

Acabaram-se as férias. Gozado o feriado municipal de 15 de Setembro, eis-nos de volta ao labor, nem sempre desafiante, de preparação do novo ano lectivo. Revejo os programas, actualizo as bibliografias (que eles nunca irão consultar), calendarizo as aulas, arranjo os materiais (sempre na vã esperança de que, estes, eles lêem; são simples, curtos e em português). Mas é na tomada de decisões sobre as formas de avaliação que consumo mais tempo. Passo em revista a experiência do ano transacto e assaltam-me os dilemas didácticos sobre o que exigir este ano: o eterno problema em conciliar os trabalhos individuais com os de grupo. Ser exigente, rigoroso, justo e... sobreviver sem ficar atafulhado de trabalhos (eu e eles).
Como constituir um grupo de trabalho devia ser a primeira dica a ser-nos fornecida após o acesso ao Ensino Superior. No primeiro semestre, ainda perdidos na “embriaguez da entrada”, o Prof. S. obrigou-nos a indicar a constituição do grupo para o trabalho de campo. Entre a surpresa e a ingenuidade, acabámos por escolher na base da afectividade – nessa altura, ainda estávamos a léguas de apreender o conceito de “estratégia académica para o sucesso”, que só emerge lá para meados do 2º ano; mas aí, os grupos estão consolidados, e (des)fazê-los, para escolher os “bons alunos” em vez dos amigos, não é tarefa fácil.
A segunda dica, aprendemo-la depressa: economia de esforço. Como os trabalhos se acumulam naqueles dois meses (de facto, só a partir de Maio é que pomos mãos-na-massa), procedemos à “divisão do trabalho” – cada um dedica-se a um capítulo, não se preocupando com o dos outros; no fim, junta-se tudo. Difícil arranjar voluntário que se disponibilize para o ler de fio a pavio, uniformizando formatações, estilo e linguagem. Mas quando chega à altura das classificações, aí exige-se ao professor “globalidade e sentido holístico”, isto é, nota igual para todos.
Tenho vindo progressivamente a optar pelos trabalhos de grupo à medida que crescem as turmas e as disciplinas anuais vão sendo varridas dos planos de estudo bolonheses, confessa o Prof. S. na burocrática ficha da UC, para, à falta de melhor assunto, conseguir preencher o espaço dos três mil caracteres que a 3AES concede para a demonstração da coerência das metodologias de ensino com os objectivos de aprendizagem da unidade curricular. Também o número máximo de estudantes por grupo vai aumentando (já vai em cinco). A não ser assim, a avalanche de trabalhos a avaliar, nos oito dias regulamentares entre o fim das aulas e afixação de pautas, coloca-me à beira de um processo disciplinar por incumprimento funcional.
Comparo os trabalhos de grupo para avaliação ao sistema de “propriedade horizontal”; cada um é “dono de uma fracção”, ou seja, de um capítulo, e contribui para as despesas comuns: fotocópias a cores, encadernação com argolas, cd-rom. As reuniões de “trabalho” são semelhantes às de condomínio: um bico-de-obra para arranjar data e hora que convenham a todos (alguns ficam mesmo de fora e, na melhor das hipóteses, participam através do skype); enorme dificuldade para acabar as discussões infindáveis (sobre o supérfluo); gerir mal entendidos e amuos infantis.
Ao longo do processo, os atritos da logística acabam por ocupá-los mais do que a elaboração do trabalho em si; a desenfreada troca de e-mails acaba por amplificar o “ruído” e, quantas vezes, findo o trabalho, andam todos de candeias às avessas.
Após o lançamento das notas, e apesar de insistentemente lhes lembrar que os trabalhos lhes pertencem, são cada vez menos aqueles que se “dão ao trabalho” de os ir buscar ao meu gabinete. Compreende-se, em parte, este desinteresse: (i) têm uma cópia no desktop do seu PC (antes, eram manuscritos ou batidos à máquina, e aí ainda se importavam com o “original”, porque talvez pudesse ser “reciclável” para outra disciplina); (ii) sendo um trabalho “fatiado”, ninguém o sente, realmente, como seu; (iii) não lhes interessa conhecer o feedback do professor (que ainda teima em os corrigir e anotar à margem), porque o que eles querem mesmo é a nota... para irem acumulando créditos para o “canudo” final, que agora lhes é ofertado uns anos mais cedo.

Luís Souta


  
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