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Uma Autonomia nas mãos de novos Senhorios

Uma Autonomia, libertadora e responsável, pela qual tantos ao longo da História lutaram, acabou às mãos de novos e sofisticados senhorios que usam e abusam da menoridade do Povo, hoje vítima de uma escola com trinta anos que, pacientemente, o anestesiou, tornando-o incapaz de um grito de indignação.

 

… o fatinho e a gravata da Missa, momentos depois de bater no peito em acto de contrição pelas indignidades, não evitaram o acto político indigesto, confuso, enfadonho, abstruso e desagradável, perante tantos que amam esta terra e que desejariam que fosse um espaço construído na paz social, na serenidade, na educação, na cultura e no bem-estar para todos.

A palavra saiu-lhe exactamente nas escadas da Igreja do Colégio, no centro da cidade, onde vicissitudes da vida conduzem que por ali se sentem pobres na esperança que alguma coisita caia das mãos de um santo. “Indigentes” foi a palavra dita referindo-se aos Deputados da Assembleia Legislativa da Madeira. Ora, diz-se indigente aquele que necessita mendigar pois não pode viver sem recorrer ao auxílio dos outros. Ao falar assim dos Deputados fica justificado porque motivo “o mais importante”, assim se considerou, lá não comparece, certamente porque deles tem pena, evitando, por isso, quaisquer misturas. O curioso de toda a soberba é que, politicamente, o dito homem, embora dependa dos indigentes parlamentares, conta lá com 33 homens e mulheres da sua própria cor política.
Ouvi e senti pena. Pena de ser presidido por um indígena, um autóctone, um aborígene em permanente indigestão política, "por velhice, nervosismo, excessos, comoções, ingestão de alimentos (políticos) de má qualidade, provocadoras de náuseas e suores frios" (Lello Universal, pág. 1282). O fatinho e a gravata da Missa, momentos depois de bater no peito em acto de contrição pelas indignidades, não evitaram o acto político indigesto, confuso, enfadonho, abstruso e desagradável, perante tantos que amam esta terra e que desejariam que fosse um espaço construído na paz social, na serenidade, na educação, na cultura e no bem-estar para todos.
Mas ele sabe em que região vive e que região construiu. Uma região pequena, pobre e inculta, de gente sem noção dos seus direitos, que apesar de pobre tem a bandeira partidária enfiada no topo do zinco ou do casebre e, no quarto, a foto do mentor de tudo isto ao lado de Maria e do Rosário; ele conhece a Igreja submissa que abre as portas a muitos que passam fome, mas que, historicamente, não utiliza o púlpito para libertar, não toca o sino da contestação, trata as feridas sociais com pensos rápidos, não prega no âmago das questões e não consegue reagir, atada que está de pés e mãos aos milhões da subsidiodependência.
Uns riem perante o desabafo indigente, outros encolhem os ombros porque é a natureza dele, outros tomam um qualquer antiácido pelo enfartamento dos disparates ditos, mas onde ninguém se atreve a dizer basta. Os próprios Deputados, enxovalhados pela designação de indigentes mentais aceitam, serenamente, parecendo ficar com um inchaço na língua pelo efeito secundário do antiácido. Ninguém dá pelo facto de pertencer ao primeiro órgão de governo próprio da Região ao ser tratado por andrajoso e mendigo do regime democrático. E assim se educa o Povo!
Uma Autonomia, libertadora e responsável, pela qual tantos ao longo da História lutaram, acabou às mãos de novos e sofisticados senhorios que usam e abusam da menoridade do Povo, hoje vítima de uma escola com trinta anos que, pacientemente, o anestesiou, tornando-o incapaz de um grito de indignação. Tolera, aplaude e engole tudo e, portanto, quer lá saber o que diz o Tribunal de Contas, sobre quem paga o quê e porquê, quem recebe e porque recebe! Essas não são contas do seu rosário. Amedrontado, aceita que o novo Hospital seja adiado mas que o estádio de futebol do Marítimo, já baptizado de Arena, leve do orçamento 31 milhões de euros; resignado, aceita que o desporto educativo escolar sobreviva, enquanto um desporto ao serviço da política e não do desenvolvimento tenha consumido 242,2 milhões de euros nos últimos oito anos mantendo, porém, sedentária, 77% da população; tolera que sejam necessários mais de duas centenas de atletas continentais e estrangeiros para assegurarem a representação da Região; que o gasto anual por atleta federado seja de € 2.028,24 enquanto o investimento por cama (o turismo é a principal fonte de riqueza - 2007) seja de € 249,00; aceite a existência de 12.000 desempregados, cale-se perante 32% de pobres e consinta uma acção social escolar verdadeiramente indecorosa.
Enfim, carrega a cruz e não descobre que esta é a Democracia no seu pior, transformada numa espécie de ignorância altifalante, que esconde a sociedade desequilibrada que produziu, reflectida que está na escola, na maior taxa nacional de abandono e de insucesso, e que apenas sabe festejar o betão à custa de um Povo resignado, distante de uma correcta leitura do sentido das prioridades e de um projecto colectivo aglutinador e dinamizador do corpo social. E todos os outros é que são indigentes!

André Escórcio


  
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