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Descentralização em Educação

Percorrendo o sítio da Internacional da Educação (IE) na internet (http://www.ei-ie.org), é possível encontrar um caderno de questões em debate (apenas em castelhano, francês e inglês), cujo primeiro número foi difundido em Abril e que remete para um tema da actualidade política-educativa - a transferência dos poderes de decisão do nível central para o nível local.
Preparado por Elie Jouen, Monique Fouilhoux, Ulf Fredriksson (com Yves Baunay e Richard Langlois), do departamento de educação da IE, o seu conteúdo não responsabiliza politicamente a IE, embora a própria organização admita pretender, assim, introduzir o debate sobre a descentralização da administração educacional.
Referem os autores que o assunto está na ordem do dia na maioria dos países, ainda que, em alguns casos, a procura de normas nacionais e de alguma centralização ainda constitua a preocupação principal. Na verdade, explicam, a vontade estatal de promover a educação tem sido, por vezes, um elemento essencial da identidade nacional, tendo, para tanto, que vencer obstáculos e, por via disso, fomentado a centralização. Noutros casos, entretanto, as colectividades ou comunidades locais ou regionais começaram já a disputar o controlo do desenvolvimento da educação ao poder central (como está a acontecer, entre nós, por parte da Associação Nacional de Municípios).
Em todo o caso, notam os autores, os sistemas educativos continuam a ser influenciados, em grande medida, pelo modelo geral de organização do Estado e da sociedade (Estado federal, Estado centralizado, comunidades autónomas, etc.). De facto, para além das diversidades nacionais e dos níveis de desenvolvimento, a descentralização aparece como um dos factores-chave para responder aos problemas que os serviços públicos de educação enfrentam. As razões ou justificações aduzidas são múltiplas e podem ser contraditórias.
É, em primeiro lugar, o desenvolvimento dos sistemas educativos, a explosão da procura social da educação e os problemas de financiamento daí decorrentes. É, também, a difusão das concepções liberais de economia e de sociedade, que preconizam a privatização e modelos de gestão dos serviços públicos decalcados dos modelos empresariais. É, ainda, a vontade dos diferentes actores do sistema educativo de participarem na gestão e no controlo da educação e o desejo de estabelecer estruturas de participação e contra-poder a todos os níveis.

Vantagens da descentralização

Ao nível do funcionamento interno do sistema, a descentralização favorece a responsabilidade e a iniciativa dos actores a todos os níveis, permitindo-lhes, realmente, que possam escolher no quadro dos grandes objectivos nacionais. O pessoal e as equipas educativas podem, assim, protagonizar uma maior influência sobre a pedagogia e os conteúdos ensinados, bem como adquirir mais responsabilidade na hora de fazerem uma escolha.
Por outro lado, permite estabelecer uma repartição equilibrada das responsabilidades entre o nível central (que define a arquitectura geral) e os níveis descentralizados (que determinam os diversos elementos); como elemento de mediação, a elaboração de documentos escritos concretos pode garantir o respeito pelos diferentes níveis de competência.
Encaminhar o pessoal directivo e os actores do sistema para desempenharem um papel mais activo na elaboração de opções e na animação e impulsão dos espaços educativos sob a sua responsabilidade; desburocratizar e simplificar os actos administrativos; reforçar o papel dos representantes do pessoal nas escalas locais e intermédias, são outras vantagens da descentralização aduzidas pelos autores, que notam, também, uma consequência nem sempre positiva - um método de gestão de 'recursos humanos' fundado mais sobre as competências demonstradas na actividade profissional do que sobre a qualificação adquirida na formação inicial (diplomas e contratação por oposição a concursos) e na formação contínua (reforço das experiências profissionais).
Ao nível das relações com o meio envolvente, a descentralização permite uma maior atenção às necessidades dos usuários e adaptar a formação às características do público-alvo, com enfoques pedagógicos diversificados, de acordo com a origem social, cultural e étnica desse público e com as particularidades locais, culturais, linguísticas e étnicas.
Permite, por outro lado, aproximar os usuários e os interlocutores para a elaboração de opções no quadro de associações, bem como aproveitar melhor as possibilidades do meio cultural, económico e social na definição do tempo escolar, na organização de actividades complementares ao ensino e fora da aula, na realização de períodos de práticas no ambiente de trabalho, etc.
Com o desenvolvimento da formação contínua, os estabelecimentos escolares tendem, cada vez mais, a converter-se em lugares de acolhimento de adultos e em pólos locais de desenvolvimento cultural, social e económico.
No entanto, adverte o documento, os aspectos geralmente considerados positivos podem comportar, também, pontos negativos e contraditórios, acentuando, por exemplo, as desigualdades.

Vantagens da centralização

A educação e a formação são direitos fundamentais. Aceite este princípio, cabe ao serviços públicos garantir o acesso efectivo a estes direitos, sem discriminação de qualquer espécie e combatendo as injustiças e desigualdades (tanto mais que as regiões e as colectividades locais podem ter recursos muito desiguais).
O compromisso do Estado é, pois, uma condição necessária para garantir o acesso de todos a uma educação de qualidade - incluindo medidas sociais adequadas: gratuitidade, ajudas sociais, etc. - e a continuidade do serviço público no tempo e no espaço.
Para estar ao serviço do público e do interesse geral e perseguir objectivos de largo alcance, o serviço público deve evitar os interesses particulares (grupos de pressão locais) e a curto-prazo.
Por outro lado, a educação e a formação desempenham um papel fundamental na integração e socialização das crianças e jovens; à Escola compete ajudá-los a desenvolverem a liberdade e a autonomia crítica. Para isso, deve ser privilegiado o acesso a uma cultura comum - pluralidade do saber, espírito crítico, valores universais, conhecimento de diversas culturas - que permita a cidadania, a integração e a socialização da juventude no seio da sociedade.
Finalmente, defendem os autores, a Escola deve continuar a ser portadora de valores universais como a solidariedade, a igualdade, a justiça social, a fraternidade e a luta contra o racismo, as exclusões e as discriminações (especialmente as sexuais).
Tudo isto requer que os conteúdos de ensino, os programas e os diplomas estejam sob responsabilidade do Estado e do serviço público de educação e se inscrevam no conjunto do território nacional.

Aspectos estratégicos fundamentais

Na organização e gestão do serviço público de educação devem estar representadas as diferentes forças sociais implicadas a todos os níveis; as modalidades podem variar, mas as regras de funcionamento democrático devem ser garantidas pelo Estado.
Em conjunto com os diferentes níveis descentralizados, o Estado deve definir as orientações estratégicas e a regulamentação geral, os programas, os diplomas e métodos gerais do seu reconhecimento na vida profissional, os critérios de financiamento, o estatuto do pessoal e as normas da sua gestão (ainda que este labor diário seja garantido pelos níveis desconcentrados ou descentralizados).
Os investimentos do serviço público, cada vez mais vultuosos, devem ser suficientes e perseguir mais qualidade e uma melhor eficácia social - a organização do trabalho evolui para um mercado cada vez mais alargado, o que supõe o reconhecimento da formação e dos diplomas numa escala geográfica cada vez mais extensa.
Os estabelecimentos educativos devem determinar o modo como o serviço público responderá às expectativas do público: alunos, famílias, tecido económico local, etc. Os fundamentos do êxito escolar, ou do fracasso, estão dentro das instituições de ensino, pelo que a responsabilidade das equipas educativas é determinante. Por esta razão, devem contar com os meios para a assumir.
Em qualquer nível, ou forma de organização, deve fortalecer-se o carácter da educação como serviço público, destinado a todos os públicos, e procurar que os cidadãos e os seus representantes sejam os que mais participam neste processo.
Finalmente, convém encontrar a justa articulação entre o nível central, os níveis locais e, inclusivamente, os supranacionais.

O papel dos sindicatos

Compete a cada organização nacional comentar os aspectos negativos e positivos do processo de descentralização e apresentar propostas em função da análise da situação; tudo, no interesse do serviço público de educação e do seu pessoal.
As organizações sindicais devem ser capazes de negociar as condições da descentralização, quando o processo se ponha em marcha, e adaptar-se para estar em condições de defender o seu pessoal com eficácia em cada nível administrativo onde se exerça um poder de decisão - é conveniente, por isso, um esforço de formação dos seus associados e responsáveis, capacitando-os para assumirem as novas responsabilidades que derivem da descentralização.

António Baldaia
(pesquisa/adaptação)


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 81
Ano 8, Junho 1999

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