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O Problema

Vladimir Maiakowski escreveu em 1929 um poema chamado "O Problema da Primavera". Termina assim

"... Porque enfim, todas as outras questões estão mais ou menos esclarecidas
a do pão
a da paz também.
Mas esta questão cardinal da primavera
é necessário custe o que custar dar cabo dela."
(Versão de Xavier Teles).

As pessoas comuns, infelizmente, têm problemas. É algo que acontece a toda a gente, é próprio da vida. Melhor ou pior, cada um tenta à sua maneira, ir resolvendo os problemas que se lhe colocam. Encontramos vasta literatura dedicada à nobre tarefa de ajudar as pessoas a resolver os problemas que se lhes colocam.
Relacionamento com os filhos, tratamento com os patrões, cozinhar massa, arranjar parceiro com quem partilhar pedaços de vida, lemos alguns títulos disponíveis: "Como se adaptar à nova Moeda", "Venha mergulhar na Tecnologia, Inovação, Ideias, Soluções", "Guia Imobiliário", "Arte de Triunfar, a Eficiência em 20 lições", "Formar Chefes, Promover Homens" , "Ler melhor e mais depressa", "Como Escrever para ser Lido" (ando a precisar de ler isto), "Como Fazer Amigos e Influenciar Pessoas" (também tenho de ler...), "As 100 maneiras de cozinhar massa" (pensava que não eram tantas). Podia continuar com uma infinidade de exemplos deste tipo, mas não vale a pena.
Existem milhões de seres humanos, que nunca leram livro nenhum porque não sabem ler ou não têm dinheiro para livros, que resolvem asdificuldades como podem. As pessoas esforçam-se na resolução dos problemas e não na sua definição. Eles aí estão, claros e nítidos, atormentadores. Mas, ó meandros imprescrutáveis da mente humana! Há alguns seres, poucos felizmente, para quem o principal, a dada altura das suas vidas, é não saber "definir o problema", a contento de quem os orienta ou desorienta.
Na tentativa de se valorizarem profissionalmente e ganharem melhor, resolvendo assim vários problemas, acham-se certas criaturas na obrigação de fazer projectos de investigação, teses de licenciatura e por aí adiante. Subitamente percebem que são - ou deviam ser - investigadores, obrigados a dominar a área da Teoria e Métodos da Investigação. Falam-lhes no Método nas Ciências Naturais e Sociais, referem-lhes pesquisas qualitativas e quantitativas, fornecem-lhes regras para a elaboração de trabalhos científicos. "Mas eu não quero ser investigador!" - berra a vítima, desnorteada com tanta informação.
Apenas queria aprender um pouco mais sobre uma temática, cumprindo as etapas de uma carreira que outros definiram por si. "Tem que ser!" - é a resposta invariável. Nos nossos dias, o avanço tecnológico e científico requer "trabalhadores-investigadores", com capacidade de adaptação a um mundo em mudança (no qual, diz-se, 'as próprias mudanças mudam'); o desemprego e a futura inexistência de aposentações a isso obrigam. É tão simples como isto: como há-de um educador de infância numa creche contribuir para o desenvolvimento integral daqueles bebés a quem muda a fralda e dá o biberão se não souber definir um problema, encontrando depois os instrumentos científicos exactos para explanar a sua solução, como muda ele a fralda se não sabe fazer um projecto de investigação?

Carlos Alberto Mota
UTAD/Vila Real


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 80
Ano 8, Maio 1999

Autoria:

Carlos Alberto Mota
Univ. de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), Vila Real
Carlos Alberto Mota
Univ. de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), Vila Real

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