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Indisciplina (Parte II)

Assinalo a publicação do estatuto dos alunos dos estabelecimentos públicos dos ensinos básico e secundário(1). Mas, porque já tive oportunidade de dizer o que penso sobre este assunto num artigo anteriormente publicado neste jornal, deixar-vos-ei, desta vez, com alguns excertos de artigos publicados na revista O Ocidente.
Recolhi-os nas suas edições de Maio e de Junho de... 1887, muito provavelmente as mesmas nas quais uma ilustre deputada da actual Assembleia da República deve ter colhido inspiração para recentes intervenções.
Não lhes acrescentarei quaisquer comentários. As razões da transcrição são óbvias. E, se daqui a outros 111 anos eu ainda for vivo, voltarei ao assunto, dada a sua (mais que provável) actualidade.

No tempo em que as câmaras mandavam

"A questão disciplinar é da exclusiva competência do Governo. A câmara de Lisboa decretou ex-abrupto a proibição absoluta dos castigos corporais, quando o regulamento do Governo os permite em hipótese. O regulamento autoriza os mestres a aplicarem em casos extremos um pequeno castigo paternalmente dado e sem rancor.
O Governo com o seu regulamento dá os meios para se conseguirem os fins, pugna pelo bom carácter civil, moral, religioso e literário do ensino. A câmara, autorizando a anarquia com as suas teorias regulamentares, destrói o carácter do ensino.
Ora o que sucede?
É fácil de perceber. O aluno refractário, cheio de maldade, não obedece à palavra e tem a certeza da impunidade, porque a câmara a decretou. O professor esfalfa-se para restabelecer a ordem e não o consegue porque a onda de insubordinação cresce e responde: "se me toca, bastar-me-à meia folha de papel selado para que a câmara o derreta, agora veja lá o que faz!"

Quadro teórico de referência

"Segundo Genuense, Laromiguer, Joufroid e outros, o homem é formado de matéria e espírito. Proibindo os castigos referentes à psico e ao corpo, só por exclusão de partes se autoriza os espirituais. Mas castigos espirituais apenas existem na imaginação da câmara de Lisboa, puramente espiritualista.
A câmara administradora da instrução do povo invadiu os domínios alheios, intrometendo-se na questão disciplinar, e por isso converteu as escolas em moinhos.
As escolas são moinhos de monotonia, moinhos no ruído da indisciplina, que vai lavrando a olhos vistos; moinhos porque os mestres saem moídos da escola, onde, em vez de ensinarem o que sabem, gastam o tempo gritando contra os díscolos que não atendem às explicações."

Da metáfora do moinho à da separação das águas

"Os mestres quase nada ensinam à falta de disciplina que não há. As crianças que são bem comportadas e desejam aprender pouco aprendem. Aos meninos da Mitra não se lhes pode aplicar palmatoadas para os conter na ordem, evitando que, por sua ruindade contagiosa, corrompam os bons costumes das crianças bem educadas. Daqui nasce a imoralidade das novas gerações, cuja educação não pode a escola conseguir.
Que interessante é uma escola bem disciplinada! Mas onde a há que deixe de ser perturbada por algum de entre muitos que, saindo do seu tugúrio(2) vem incorporar-se na comunidade limpa e asseada e eivá-la dos vermes da destruição moral, corrompendo pelo mau exemplo os corações bem formados, as consciências limpas de tantos outros de famílias de sãos costumes.
Separem-nos! Não pode ser!(3) O lobo e a ovelha não podem coexistir, porque as leis da natureza imperam na própria índole."

José Pacheco (4)

1 Decreto-lei nº 270/98 de 1 de Setembro
2 Leia-se, em 1998, "bairro degradado", "minoria étnica", "cultura marginal à escola de elites"...
3 Ouvi idêntica exclamação numa reportagem transmitida pela SIC, em 10 de Setembro de 1998.
4 Recolector dos retalhos e autor dos alinhavos.


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 73
Ano 7, Outubro 1998

Autoria:

José Pacheco
Escola da Ponte, Vila das Aves
José Pacheco
Escola da Ponte, Vila das Aves

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