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O exotismo

“Exótico (adjectivo), do Latim exoticu, vem ainda do Grego, exotikós, significando estrangeiro. Em Botânica e Geologia diz-se dos animais ou plantas que não são naturais dos climas para onde foram transportados. Que não é indígena; pode querer também dizer estrangeiro; extravagante, esquisito; estranho; singular; excêntrico.” (1)

Vivemos no tempo do exotismo levado ao extremo, a ponto de já não se estranhar nada. Penso que quando dizemos “exótico” isso tem uma carga positiva, o “exótico” é o diferente que fascina, não é apenas o “diferente” que pode causar repugnância, horror, medo. Por que razão falo em “exotismo” e em “exótico”? Porque o habitante do mundo mais rico, numa manifestação de fastio evidente por esse mesmo mundo, prefere o “exótico”. A praia com água quente, esmeralda ou de um azul infindo, a possibilidade de tomar banho à noite ou ao cair da noite. A música da Índia, árabe ou de Cabo Verde, para não falar da rumba, dos mariachis, ou do samba. O “homo-ricus-contemporâneus” anda cansado e busca fugas do seu quotidiano espartilhado pelo relógio, pelo trabalho, pela rotina.
É difícil escapar ao problema de viver numa sociedade separada da Natureza, repetindo tarefas como um robot, tendo como única “liberdade” o acto de comprar, consumir, que logo deixa uma insatisfação porque o que se consumiu nunca foi suficiente.
O “homem-light” de que fala Enrique Rojas manifesta-se em todo o esplendor. Sem ideais, é pragmático e conta o dinheiro que tem no bolso. Não gosta de pensar e prefere esquecer. Durante o ano, ansiolíticos, anti-depressivos, álcool, tabaco ou drogas ilegais, vão dando conta do recado. Nas férias o avião leva-o para longe, para o “exótico”. Bolsos cheios e a cabeça vazia, este “homo-civilizadus” passa grande parte do dia olhando para monitores. Olha o telefone portátil, a televisão, o ecrã do computador, para ver as mais diversas informações na Internet. De facto, separou-se há muito da realidade e entrou num mundo cada vez mais virtual. Ora foi isto que aconteceu aos banqueiros de todo o mundo, que, ao contrário dos proletários, estão unidos.
O “homo-comum”, para proteger o seu dinheiro dos ladrões não o guarda em casa, mas no banco. Foi uma má experiência descobrir que muitos bancos querem também apropriar-se do dinheiro dos depositantes (e já o fizeram). Este é igualmente o tempo do “homo-anestesiadus” que nem assim, perante tanta aberração e falta de honestidade se revoltou. Os governos de todo o mundo, usando os impostos de todos os cidadãos, correram a depositar dinheiro nos bancos e foi proclamada a “crise financeira mundial”.
O “homo-normalus” continua a trabalhar. As indústrias continuam o seu caminho para a “Nova China”, os empregos diminuem no resto do Mundo. Mesmo na China, por estranho que pareça, houve desemprego e a economia engasgou-se. Por certo continuaremos a assistir aos mais diversos exotismos. O “estranho” será não ver algo “estranho”, “exótico” ou “estrangeiro” em todas as ruas do planeta. Esta fusão de gentes, grandes interesses financeiros e migrações desordenadas, fará com que o “exótico” deixe de o ser, passando a ser a “norma”. Já está a suceder isso, aliás. Há gente interessada em observar aldeias antigas “típicas”, quer dizer, anteriores ao advento deste tempo de mudanças que não são reformas, porque são mudanças para pior.
Os produtos típicos desaparecem, tornam-se “exóticos”! O bacalhau que comemos já vem (em parte) da China (é o do Pacífico). Este processo parece irreversível, pelo menos até agora. Talvez tenha algo de bom. Ficamos à espera. Para já não parece ser assim. Esperemos que o exótico (de nome e não só) Presidente dos Estados Unidos, Obama, faça exotismos na presidência, como por exemplo governar bem, com menos gastos militares, sem agressões externas, tentando ser um actor de paz e progresso entre os seres humanos.

(1) Definição de exótico em Priberam, http://www.priberam.pt/dlpo/definir_resultados.aspx?pal=ex%u00f3tico

Carlos Mota


  
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Edição:

Edição N.º 185, série II
Verão 2009

Autoria:

Carlos Alberto Mota
Univ. de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), Vila Real
Carlos Alberto Mota
Univ. de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), Vila Real

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