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Educação Especial: a ver se nos entendemos...
O Ministério da Educação realizou reformas importantes no âmbito da Educação Especial que tiveram a sua parte mais visível no presente ano lectivo de 2006/2007. Há muito tempo que se fazia sentir a urgência de serem remodeladas as bases sobre as quais se organizava o apoio a alunos com Necessidades Educativas Especiais (NEE) e tentativas feitas por outros governos (nomeadamente pelo governo de Durão Barroso) não conseguiram chegar à fase de aprovação. É, portanto, inquestionável a oportunidade da reorganização da Educação Especial que o governo empreendeu. As medidas tomadas são, na minha perspectiva, diferentes em termos da sua correcção. É sobre este prisma que vou muito brevemente pronunciar-me.
A criação de um quadro de professores de Educação Especial é uma medida polémica. Não devemos no entanto ignorar que o sistema anterior não podia ser encarado senão como provisório dado que todos os anos se procediam a destacamentos com uma carácter sempre precário e muitas vezes com critérios não muito claros. A criação do quadro, ainda que com todas as imprudências que levaram a sucessivas correcções das habilitações que lhe davam acesso, e com a contestável divisão em três categorias de professores, é na minha perspectiva positiva por abrir possibilidades de proporcionar uma carreira e estabilidade às pessoas que fazem da Educação Especial a sua profissão.
Por outro lado, o aumento de permanência dos professores na escola, constitui, quando analisada desassombradamente, uma medida sem a qual seria impossível perspectivar o desenvolvimento da escola. Se os professores não estiverem mais tempo na escola em tarefas ligadas ao planeamento, coordenação, ligação à família e à comunidade, etc. não é certamente possível construir uma escola de mais qualidade e sobretudo uma escola que tem de ser organizacionalmente mais robusta e coesa.
Era também conhecido de todos, que o anterior sistema da apoio a crianças com NEE apresentava notórias carências que se situavam sobretudo na identificação das dificuldades, na caracterização psicopedagógica, no planeamento do trabalho e na organização de todo o apoio necessário. Aqui o Ministério da Educação optou por efectuar uma separação clara entre os alunos que têm uma condição de deficiência, e que por isso usufruem de serviços de Educação Especial, e os alunos que não tendo deficiência só podem ser atendidos no quadro dos apoios sócio-educativos. Esta operação permitiu uma redução drástica de alunos sob a égide da Educação Especial e eventualmente uma economia de recursos mas... Mas o instrumento que foi utilizado para fazer esta destrinça entre alunos com e sem deficiência (ref: CIF) é um instrumento desadequado. Por exemplo, trata-se de um instrumento criado no âmbito da saúde com uma aplicação reduzida para a educação e criado... para adultos e não para crianças. Docentes de dezoito escolas de ensino superior nacionais denunciaram este facto sem qualquer reacção dos tais peritos (quem são eles afinal?) que o Ministério diz que apoiam esta aplicação. Por outro lado, é do senso comum que há pessoas que têm uma condição de deficiência e não precisam de apoio na escolaridade (até preferem passar desapercebidas) e outras que não tendo uma condição de deficiência precisam de apoio. Confundir estes dois planos é um erro que já não se passava há 30 anos desde a publicação, no Reino Unido, do Relatório Warnock.
Acresce ainda que o facto de não ter uma determinada condição de deficiência não significa que não é preciso o apoio de um profissional devidamente especializado. No caso, por exemplo, das dificuldades específicas de aprendizagem (i.e. dislexia) estas não constituem uma deficiência mas têm de ser atendidas por professores que conhecem estratégias pedagógicas para trabalhar este tipo de dificuldades.
Enfim, as mudanças empreendidas pelo ME no campo da Educação Especial tendo por vezes intenções boas, encontram-se pobremente alicerçadas em termos teóricos, foram concretizadas com uma pressa iluminada e uma falta de diálogo que levou a que crescesse entre os professores a ideia de incompetência por parte quem conduz estes processos. A extinção inexplicável das ECAE's, e a (des)organização da Intervenção Precoce são destes efeitos em que não se entende qual a inteligência que lhes está subjacente. Eu diria que este efeito era escusado.
Porque será que não conseguimos ouvir, planear, executar com correcção e firmeza? Porque será que não conseguimos avaliar os processos em que nos comprometemos (não existe qualquer avaliação externa deste importante e radical processo)? Porque será que parece que sabemos tudo e quando realizamos parece que tudo esquecemos?
Como coordenador do Fórum de Estudos de Educação Inclusiva (www.fmh.utl.pt/feei) organização que reúne mais de 400 profissionais de Educação Especial, gostava de apelar aos responsáveis destas medidas para não terem pressa, para ouvirem os professores, para ouvirem os nossos académicos, para respeitarem a nossa competência e sobretudo para respeitarem a rica experiência que o nosso país tem neste campo. Outros países fizeram melhor que nós por terem tido mais respeito pelo percurso que fizeram.
Acredito que somos capazes de mudar se participarmos e se nos souberem explicar a correcção da viragem. É que não basta à reforma da Educação Especial ser politicamente possível é preciso que ela seja correcta e credível.

  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 168
Ano 16, Junho 2007

Autoria:

David Rodrigues
Universidade Técnica de Lisboa e Coordenador do Fórum de Estudos de Educação Inclusiva
David Rodrigues
Universidade Técnica de Lisboa e Coordenador do Fórum de Estudos de Educação Inclusiva

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