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Stelios

Sempre se riu dos irmãos e até dos pais. Não lhe interessava trabalhar no hotel, embora soubesse que dali vinha o dinheiro que servia para comprar as laranjas. Isso não o incomodava. Às vezes, numa desesperada tentativa de domesticação, escalavam-no a ele, para a recepção do Hotel Louvre. Não adiantava. Stelios esforçava-se por falar mal inglês, francês, até grego, a sua língua mãe. Uma noite, uma turista francesa perguntava-lhe se podia trazer um homem para dormirem juntos. Stelios respondia sempre ?oui?. ?Oui?? perguntava ela, espantada com tanta abertura mental. ?Oui?, respondera Stelios, queria lá saber disso, não era problema dele, pelo menos pensava assim. Mas sabia falar francês e inglês, além de grego, claro. Outra vez, uma excursão de gregos chegou, Stelios ou Stely, como durante muitos anos lhe chamaram, tão pobres informações deu, que uma idosa grega se voltou para quem o acompanhava e lhe perguntou algo. Riu-se muito, depois. Ângelo não sabia responder, fizera um gesto tentando explicar isso. A senhora perguntou a Stely que fazia um mudo na recepção do hotel! O tubo de água rebentou, no quarto, começou a ameaçar inundar tudo. Stely exclamou ?Nero?? Que Nero, pensou Ângelo, o tipo é doido, está a falar de um Imperador? Ele não se mexeu da cadeira, só quando o pai, o senhor Sotiris chegou e foi ao quarto entendeu que era água. Mas Stely já sabia isso, Ângelo dissera-lhe ?hidros?. Ainda hoje existe a palavra ?hidráulica? em grego, mas Stely estava ali para não se incomodar. Claro, com os milénios, ?hidros? passou a ?Nero?. Gostava de aborrecer o irmão, Vangelis. Lia muito, porém. Um dia contou que somos todos uns parvos, vivemos de glórias falsas. ?Como Turing, o homem que decifrou o código das máquinas que equipavam os submarinos alemães, na segunda guerra; preso, julgado, condenado por homossexualidade em 1952, suicidou-se em 1954, na democrática Grã-Bretanha.? É assim, a vossa glória, acrescentou. Dependeis de júris. Ele não, realmente. ?Há experiências mágicas, as da fotografia e há experiências miseráveis, as vossas.? Na Idade Antiga surgiu a mistura do acaso com o destino, somos isso. ?Como?? ?Se observamos aves a voar, as suas entranhas, acreditamos que há presságios. Ou seja, há um destino que ao mesmo tempo pode ser evitado, porque nos envia sinais dele mesmo, há um destino indestinado, uma ordem que comporta a indeterminação, um Cosmos que integra o Caos. Eu assumo isso; vocês querem acreditar na ordem.?


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 139
Ano 13, Novembro 2004

Autoria:

Carlos Alberto Mota
Univ. de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), Vila Real
Carlos Alberto Mota
Univ. de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), Vila Real

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