O estatuto socio-económico dos pais é determinante do incremento da (des)
igualdade fisiológica das crianças denominadas de educação integrada ou
especial.
Parece-me evidente que, ao falarmos em criança, estamos a pensar num ser humano
novo, rechonchudo, de riso aberto, olhos azuis, cabelo encaracolado, impossível
de atingir na sua rápida corrida. Ou, num pequeno que adora esconder-se dos
adultos, ouve histórias lidas à noite, sabe contar contos e é espontâneo a
colocar os seus braços em redor do nosso pescoço. Ou nessa pequena menina que
brinca a ser mãe e canta às suas bonecas, as suas preferidas canções de
embalar. O mundo ideal, de tipo Huxley. Raramente, a verdade. Ou, por outra,
verdade que atribuímos mas não concerta com o mundo material.
Porque esses olhos azuis podem não ver e perguntar aos seus ascendentes como é
que é...tudo. Porque essas orelhas cor de rosa, podem não ouvir. Porque essa
boca de lábios vermelhos naturais, são incapazes de proferir palavras. Ou,
porque essas pernas tolhidas, esse braços sem movimento, esse corpo que
gatinha, faz a dor e, às vezes, a infelicidade dos pais ou, ainda, a sua
vergonha. Apenas o escritor e pintor irlandês do Século XX, Christy Brown,
soube usar o seu pé esquerdo para recriar a natureza em textos: paralisia
cerebral ultrapassada, prémios de consagração da sua obra pela sua obra e não
por usar apenas o seu pé esquerdo para criar. Francisco de Goya e Ludwig van
Beethoven, eram surdos na idade adulta, Johan Sebastian Bach, cego quando já
era pai de vários filhos. Se o tivessem sido em criança, nem pinturas nem
música erudita de tanta qualidade, teríamos usufruído.
As crianças necessitadas de educação especial, ou hoje em dia, de educação
integrada, são imensas. Perante o mundo adulto, a criança é surda, cega e muda
e, às vezes, não recupera as marcas da sua origem social. Excepto se têm
ligações especiais no seio de turmas onde as crianças correm, fazem ginástica,
recebem o carinho normal devido a um filho e atenção especializada dos seus
docentes que acabam por entender que a diferença de cor, credo, língua, faz
parte do realidade do mundo.
Educação integrada, processo elementar para partilhar as dádivas de alguns, e
as carências dos outros. Complementadas, denomina-se interacção social, base da
vida na sociedade civil baseada em lei, direitos e obrigações. Não em vão o
Código Civil Português de 1867, reformulado em 1966, diz no seu artigo 6: "A
ignorância ou má interpretação da lei não justifica a falta do seu cumprimento
nem isenta as pessoas das sanções nela estabelecidas". Saber erudito para
eruditos, obrigação da criança desde os seus 7 anos de idade, saber de criança
de família sabida, ignorância da maior parte da população adulta ou infantil.
Donde, em risco de ser criminoso. Donde, a educação integrada, recentemente
cancelada na procura do lucro na poupança de serviços sociais, ignora que a
maior e melhor mais valia deriva do entender a vida social, quer coxo de
pernas, quer coxo de conhecimento. Erro social pago pelas crianças e os seus
tutores e/ou curadores - conceitos legais desconhecidos pelo grupo social
responsável perante o Direito que nos governa - , ao agirem de forma espontânea
e natural perante a emotividade, o saber, o desejo, a procura de lucro e a
alienação da mais valia entregue sempre ao proprietário dos recursos dos quais
vivemos. De governo civil que não sabe a origem do lucro, maior desigualdade
entre crianças e maior igualdade das que possuem bens reprodutivos.
|