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Continuo a fazer o que quero, ou o que é preciso que eu faça...

Natural do Porto, Teresa Maia Mendes fez o seu percurso escolar no ensino privado e no público, tendo concluído o Curso do Magistério Primário em 1951 – ano em que começou a leccionar. Com 4 anos de serviço, foi bolseira no Instituto António Aurélio da Costa Ferreira, onde fez o curso de educação e ensino especial. Trabalhou 35 anos na educação especial, tendo desempenhado funções de coordenação de equipas e de formação de professores. Logo após a revolução dos Cravos, em 1974, esteve na fundação do primeiro Sindicato dos Professores do norte, de que foi dirigente e coordenadora do ensino especial. Esteve, depois, no Sindicato dos Professores da Zona norte – onde “ganhou” sempre as eleições, mesmo quando não quis participar. Em 1982, na sequência do desmembramento do SPZn, esteve na criação do actual Sindicato dos Professores do norte (SPn), integrando a primeira e sucessivas direcções, até hoje. Esteve, também, na fundação da Federação nacional dos Professores (Fenprof), de cujo Conselho nacional fez parte desde o início; foi, ainda, membro do Secretariado nacional e coordenadora do Departamento de educação especial. Aposentada desde 1993, actualmente, é secretária da Mesa da Assembleia-Geral do SPn e responsável pelo atendimento aos sócios aposentados e do ensino privado; em representação do sindicato, é membro da direcção da Inter-reformados (CGTP-In).

Teresa Maia Mendes é uma memória presente, um arquivo vivo de histórias. As que se seguem resultam de uma breve conversa com a Página e são apenas uma súmula de uma vida dedicada à escola, à educação especial e ao Sindicato – às causas dos alunos e dos professores. Quando esta edição estiver a ser expedida, a Maia Mendes estará, certamente, no seu posto de combate diário, a atender as dúvidas de mais um professor aposentado ou em vias de o ser; ou as angústias de mais uma professora em conflito com a sua entidade patronal; quiçá a autoconduzir-se rumo a Lisboa, para mais uma batalha pela melhoria de um contrato colectivo; ou no Báltico, a tomar conta dos seus “velhinhos” viageiros…

Em que ano começaste a dar aulas?

Olha, eu tirei o curso em 1951 e comecei a dar aulas em 1951. Fui colocada pela primeira vez em Leça da Palmeira e depois comecei a correr as escolas já do Porto. em determinada altura, apareceu-me uma escola – que na altura se chamava escola régia, em frente à igreja de Lordelo – que tinha crianças altamente necessitadas de apoios especiais. nessa altura, resolvi que haveria qualquer coisa que se pudesse fazer por aquelas crianças, mas eu não fazia ideia do que era. Éramos duas professoras, unicamente, e trabalhávamos o melhor que podíamos e sabíamos; tivemos, inclusivamente, que fazer “arranjos” com meninos que eram de uma classe e passaram para a anterior, a ver se aquilo andava para a frente… e assim foi! e então, a seguir, eu resolvi que ia para o ensino especial.
Resolvo, e concorro ao [instituto] Costa Ferreira. eu tinha parte das condições para poder concorrer, porque o concurso obrigava a que se tivesse 16 valores de diploma. eu tinha, mas como era professora agregada, não tinha direito a bolsa de estudo. eu fiz uma reclamação qualquer, e… Pelos vistos, havia duas que estávamos em situação igual; cada uma teve a sua cunha e, como tínhamos 16, resolveram dar-nos o mesmo tratamento que davam às professoras efectivas. e lá fui com bolsa de estudo…
Nessa altura, quem tirasse o curso, tinha que trabalhar obrigatoriamente no ensino especial durante três anos. não era como agora: tirar o curso e depois fazer o que apetece, até poder reformar-se. não, nós tínhamos que trabalhar três anos…

Portanto, nessa altura já havia o chamado Ensino Especial?

Havia. Havia classes especiais em duas únicas cidades, Porto e Lisboa. estava aí concentrado. De qualquer maneira, a parte deste processo que eu considero mais engraçada é que, numa das escolas onde eu tinha estado anteriormente, há alguém que diz que eu tinha de tirar um curso para tolinhos. Toda a gente: Coitadinha, tão novinha, tão bonitinha, e olha para o que deu à mulher… Está maluca! excepto a empregada da escola, que diz: Fez ela muito bem! Ficam todos espantados, a olhar para aquilo, para a ‘douta sapiência’ da empregada, e diz ela: Todos os tontos desta escola gostavam dela. Portanto, é natural que ela tenha acertado, e que esteja direitinha no sítio que deve ser… e a coisa acabou por aí. Bem… vim para o Porto, regressei com o curso, e vagas… viste-as? nem eu.

Não havia vagas para o Ensino Especial?

Havia vagas nas escolas X, Y, Z – as ditas classes especiais. eu continuo a trabalhar como agregada nas escolas do Porto, tinha que ser, e lá se passaram mais uns três anos. Portanto, isto soma para aí sete… Ao fim de sete anos, abrem escolas especiais em viseu e não sei onde e há vagas no Porto. e eu sou colocada na escola de uma zona altamente degradada, que era S. vítor (Fontainhas). Digo-te que estive lá 35 anos; fui tudo, e mais umas botas, mas…

Com um jeitinho, ainda me fizeste o exame da 4ª classe…

É capaz… [risos] não, não fazia exames da 4ª classe…

Os alunos da Escola nº 1 [Campo 24 de Agosto] iam lá fazer exame, e eu tenho ideia de ti…

… Eu não fazia exames da 4ª classe… A 4ª classe era o meu grande problema com os meus alunos, porque a obrigatoriedade deles era só a 3ª e faziam exame de 3ª classe. Escusado será dizer que, apesar de eu ter 15 alunos (nessa altura era o número determinado), aquilo eram quatro classes, porque eles entravam muito abaixo do primeiro ano, tinha que se fazer toda a educação pré-escolar e, depois, daí para a frente. e está-se a ver, havia os meninos da terceira que conseguiam arranjar maneira de se valorizar e de anular o trabalho dos mais pequenos...
Mas isso eram as contingências do sistema. não tinha problemas nenhuns, tive muito bons alunos que fizeram a 3ª classe muito bem, mas… Quando passavam para a 4ª classe, aqui d’el rei, que eles tinham sido alunos da professora Teresa, não tinham categoria, nem coisa nenhuma… o que não era verdade. vi, por exemplo, um aluno, que a única coisa que tinha era uma dislexia, ser muitíssimo mal tratado na 4ª classe, quando ele podia fazer aquilo a brincar. essa era a grande contingência, e só muito mais tarde conseguimos virar o ensino especial. Porque, menino que caísse na minha sala era alma que caiu ao inferno; só saía de lá quando fizesse a 3ª classe ou tivesse 14 anos; podia estar muito capaz de integrar o ensino regular, mas não lhe davam licença. era o sistema que existia na altura…

E mudou quando?

Em 74.

Só em 1974…

Só em 74, e eu estou na mudança. em 74, o Costa Ferreira resolve que tem de mudar aquilo e imediatamente se tenta a integração. nós já tentávamos uma integração, anteriormente, porque acabava por haver ensino especial altamente paralelo. Porque havia o ensino especial do Costa Ferreira, que eram as classes especiais…
Com todos os inconvenientes das classes especiais, que tanto critiquei na altura, eu considero que não era tão mau como nós dizíamos.
Tinha esse inconveniente de as crianças terem que ficar ali amarradas… Às vezes chegávamos a dizer aos pais: Quer salvar o seu filho? Mude-o para outra escola. Nós passamos-lhe uma transferência da classe X, e ele vai; não dizemos o que ele foi, nem onde andou... e a criança safava-se assim.
De qualquer maneira, como digo, as classes especiais eram altamente restritivas – dentro da própria escola, faziam restrição aos ditos: Ah, é aluno da professora Teresa!... numa altura, uma professora recebe um bilhete de um pai, a dar qualquer desculpa, e pergunta ao aluno quem é que escreveu aquele bilhete tão bem escrito. e ele disse: Foi o meu pai – Ah! Não pode ser, porque o teu pai foi aluno da professora Teresa! ora, quando ela me veio contar isto, eu passei-me dos carretos! Olhe, minha senhora, porque é que não lhe disse: O teu pai escreve muito bem porque foi aluno da professora Teresa?
Mas isso não! não havia nada de bom neste conceito, e portanto era preciso acabar com ele e tentar-se uma integração. Já havia a integração feita pela Dee, que já tinha professores próprios e mais não sei quê… e umas equipas que andavam por aí, mas em que nós não entrávamos. nós éramos gente à parte…

Era um sub-subsistema…

Éramos um subsistema em que, até determinada altura, estávamos em comissão de serviço. Depois, por razões que não lembram ao diabo, resolveram passar-nos a destacamento. Claro que nessa altura – isto é tempo do SPZn, e eu era dirigente – fiz todos os possíveis para que isso não acontecesse, mas escusado será dizer que os nossos colegas – que éramos muito poucos, meia dúzia na cidade do Porto – assinaram logo o papelzinho; tinham licença para o assinar em dois ou três dias, mas meia hora depois já o papel estava assinado e a asneira feita...
Pronto… nós fazíamos de facto a integração dos alunos que a Dee nos pedia, mas fazíamo-lo com extremo cuidado: além de se ver onde se adaptava o menino, tinha que se adaptar o menino e a professora; não era colocar por colocar numa turma qualquer, em que era capaz de ser posto ao canto, ou coisa parecida, e em vez de integração era exclusão. Portanto, fazíamos essa integração o melhor que podíamos, mas tínhamos relações com a Dee…
Relações muito relativas, pronto. em determinada altura, isto leva uma volta. Entretanto, aparece o totobola, com muito dinheiro para a educação especial. e esse dinheiro é entregue à Segurança Social, que começa a fazer escolas…

Ainda antes de 74…

Muito antes. Sessenta e pouco...
A Segurança Social começa a fazer escolas e passamos a ter três ensinos especiais perfeitamente independentes, que não tinham nada a ver uns com os outros. eu acabei por me movimentar mais ou menos bem e, em determinada altura…

É o que vai dar origem aos centros de reabilitação?

Exactamente. Areosa, Costa Cabral, Latino Coelho… o Leonardo Coimbra aparece mais tarde – e é um bocado diferente, porque era um legado e teve que ser feito naquelas condições. Talvez por isso é que ainda hoje exista...
Nessa altura, a Segurança Social andava à procura de professores; não havia professores especializados de carreira, e eles tinham muito cuidado com isso. Portanto, há uma conversa que nem era para ser comigo, e eu sou convidada para ir trabalhar para a Segurança Social. resultado: de manhã trabalhava na minha classe especial e à tarde tinha um horário completo na Segurança Social. o que me permitiu dominar muito bem os dois esquemas. Daí que, em 1974, quando aparecem os sindicatos, eu sou uma das pessoas que aparecem à cabeça, porque estavam a passar-se coisas graves na Segurança Social – onde havia gente muito mais politizada, que queria um determinado número de coisas em que os professores iriam ficar para trás, e nós não consentimos.

Foi aí que sentiste o primeiro apelo sindical?

O meu apelo sindical vem daí… Com grandes reuniões, em que havia gente que, de facto, tinha formação política e ia fazendo e levando aquilo tudo. A Segurança Social tinha todas as classes possíveis e imaginárias: professores de tudo, auxiliares, educadores, cozinheira... Tudo pessoal que estava ali e que tinha de ser defendido.
Aí, acontece-me uma coisa muito engraçada. Havia reuniões e nós não topávamos, não dávamos volta, nem éramos capazes de entrar naquilo, porque não percebíamos patavina de reuniões. A minha primeira história, e a mais engraçada, é que descobri como se bloqueava uma reunião: eu fazia um requerimento à mesa, eles tinham que o pôr à votação e aquilo virava ao contrário. Logo, ó Teresa vira isto, ó Teresa vira isto. elas sabiam que eu era capaz de virar aquilo, mas eu, em consciência, não sabia por que é que virava. resultado, aparece o sindicato e era preciso o ensino especial também entrar.
Em determinada altura, duas de nós resolvemos ir falar com o sindicato de professores, que funcionava na rua Júlio Dinis.

Que era o…?

Era este [SPn]. era o primeiro sindicato dos professores. entretanto…

Quer dizer, com este nome: Sindicato dos Professores do Norte?

Sim, até era com este nome. Chegamos lá, falámos em ensino especial, e eles ficam doidos, não sabiam que aquilo existia, e o que é que aquelas duas tontas iam para ali armar… Com isto, entra alguém muito mal disposto, porque estava a chagar de uma reunião desgraçada, e diz: Agora, só me faltavam estas com o Ensino Especial… Lá conversamos, e foi a única pessoa capaz de tentar entender o que se passava – era o [António] Costa Carvalho e, coisa engraçada, no fim dessa conversa, o que é que ele faz? entrega-me uma chave da porta e diz: Vem cá quando quiseres. nessa altura, eu fiquei e a outra também (e também foi dirigente, mas depois foi para Coimbra e desapareceu).
Mas a seguir tivemos a contestação das nossas colegas – que nós tínhamos ido para uma coisa para que elas não nos tinham eleito… nunca ninguém tinha pensado em eleger ninguém, mas naquela altura, em alta democracia, tinham que eleger! De maneira que ainda se peguilharam connosco… Mas nós não demos conversa, já estávamos lá no sítio e não largávamos o lugar nem à lei da bala. Portanto, não deixámos aquilo e continuamos a fazer o que o sindicato nos fazia e nos pedia. Coisa engraçada, a primeira reunião que me mandaram fazer foi com professores de Moral…

Estamos ainda em 1974…

Isto é o princípio de Maio de 74. e há dois pormenores muito importantes, que não podemos esquecer. nessa altura, havia os professores que vinham dos Grupos de estudo [de Professores do Ensino Secundário, GEPDES, que funcionavam desde 1969/70] – e esses sabiam o que estavam a fazer – e havia o Sindicato nacional dos Professores do ensino Particular (um sindicato fascista), que era um quiosque num gabinete de explicações dos ditos senhores e que pessoas que não tinham nada a ver com aquilo resolveram ocupar – destaque para a Manuela Teixeira. ela dá a volta e vem juntar-se a nós, e é por aí que aparece o primeiro sindicato que tem ensino particular e ensino público. Porque elas, que tinham um sindicato, resolveram que nos vinham dar o sindicato delas para nos juntarmos e podermos avançar. e, de facto, é a partir daí que se avança. e trabalhámos perfeitamente. É o que eu digo: o que eu aprendi, aprendi com o Costa Carvalho; o que a Manuela Teixeira aprendeu, aprendeu com o Costa Carvalho; e fizemo-nos à nossa custa, porque nós, de facto, só sabíamos que sindicato se escrevia com “S”.

E a partir daí?

Daí, avançou-se… É o que eu te digo, eu descobri que, quando fazia um requerimento, acabava por dar cabo das reuniões aos outros… Portanto, tive que estudar, não tive outro remédio!
Porque, entretanto, também me mandavam dirigir reuniões e, como tal, tinha de saber o que estava a fazer. Tratei de estudar, tratei de crescer… e connosco nunca houve problemas dignos de nota, corremos sempre bem por aí adiante, sem problemas.

E é a partir daí que se chega ao SPZN…

O Zn!… em determinada altura, não sei por alma de quem, nem porquê, o SPn muda para SPZn [Sindicato dos Professores da Zona Norte]. eu passei a ser uma pessoa com uma certa categoria lá no sítio, mas também não sei porquê… Cresci depressa. Diziam que tinha formação política, mas eu ponho muitas dúvidas à minha formação política…

Mas tinhas, ou não?

Tinha. [risos] Devia ter, devia ter…

Tens aí um segredinho…

Não, não há segredos nenhuns. eu não tinha nada com ninguém. eu poderia… Quando a revista «o Professor» apareceu pela primeira vez na minha escola, por muito estranho que pareça, foi levada por um “bufo” da PIDe, que devia ter lá entrado com más intenções... Mas eu li, gostei e assinei logo a revista. esta é a realidade.
Claro que eu já tinha tido questões que se podem dizer de carácter político: com as senhoras da obra das mães e da sopa na escola, tinha havido muitas coisas, em que o meu director me tentava safar, dizendo que eu que era muito boa pessoa... Mas eu não admitia certo tipo de tratamento. Como uma vez respondi a uma colega que me dizia porque tu és de esquerda… Sou, sou, desde os 10 anos, quando andávamos no Colégio da esperança, e via a maneira como eram tratadas as meninas órfãs e as que pagavam. e ela era uma delas: Ah! Eu era muito bem tratada… eras? Um horror!
Eu tinha lá estado semi-interna, mas sabia muito bem a diferença entre as meninas ricas e as meninas para quem, de facto, o colégio tinha sido feito. Pode isso ter-me vindo daí, mas não havia outro tipo de ligações políticas, nem coisa nenhuma.

Voltando ao SPZN e ao SPN, à separação… Provavelmente, haverá que não saiba que um já foi outro…

Não é separação. O Zn aparece connosco ainda como comissão instaladora. e passou a chamar-se assim, não foi separação nenhuma.

Eu refiro-me ao “depois”…

Bem, depois já era Zn. Quando havia reuniões em Lisboa, tanto ia eu, como a Manuela Teixeira, como o… Podíamos ter umas clivagens partidárias, não gostarmos de determinadas coisas, mas não tínhamos conflitos nenhuns dentro do sindicato. Íamos e fazíamos reuniões com representantes daqui e dali. Por exemplo, um belo dia mandam-me falar com o ministro das Finanças, que eu nunca tinha visto; nem sabia o que dizer. Ia para o ministério, encontro um colega do sindicato de Lisboa e disse-lhe que não sabia o que ia fazer com aquele ministro… Eu vou contigo! e lá fomos os dois, lá falamos com o homem e lá dissemos o que queríamos.
É preciso dizer que aquelas reuniões conduziam, de facto, a reuniões no ministério muito sérias, do tempo do rui Grácio, Prostes da Fonseca... reuniões que começavam às 10h da manhã e acabavam às 3h da madrugada. Houve variadíssimas coisas que se passaram, mas nós íamos para essas reuniões perfeitamente, éramos unânimes. Por exemplo, eu fiz parte da primeira comissão do reajustamento de letra, e conseguimos aquela coisa fabulosa de subir todas as letras do ensino Primário – custou, foi duro, mas conseguimos.
Nessa altura, já éramos SPZn e sempre fomos tratados como SPZn, como o de Coimbra era SPZC… Portanto, o “Zona” apareceu por qualquer coisa de que não me lembro, mas nada de diferenças políticas, nem sindicais. Apareceu...

E depois desapareceu…

Desaparece quando nós [actual Sindicato dos Professores do Norte] passamos a existir, porque nós tiramos o “Z” e voltamos às origens, e eles ficaram com o “Z”. Mas, de qualquer maneira, as primeiras eleições sindicais que existiram foram para o SPZn.

Foquemo-nos, então, no SPZN…

No SPZn havia uns estatutos que nós tínhamos aprovado, com reuniões no pavilhão do Lima até às 5h da manhã, e com variadíssimos filmes pelo meio, e, nessa altura, aparece o PS em força. A Manuela Teixeira não entra connosco na lista, nem o PSD, mas também não concorre. ora, como os estatutos estavam feitos por sectores de ensino, nós concorríamos por sectores; e logo da primeira vez que o PS aparece a dominar os esquemas, eu concorro pelo especial. A nossa lista do Superior ganha e eu ganho.
Mas ganhei durante pouco tempo, porque ao fim de três horas comunicaram-me que tinha perdido e que tinha ganho um outro, do PS... De maneira que eu perdi.
A Manuela Teixeira, que não tinha nada a ver com o assunto, queria à viva força que nós impugnássemos aquilo, porque eu tinha ganho, toda a gente sabia. eu, por mim, muito sinceramente, mandava umas bocas contra eles e não estava nada interessada em trabalhar com suas excelências. não tinha um conceito da necessidade de se fazer certas coisas, mesmo que fosse do contra, e portanto deixei-o ganhar. Claro que aquilo criou problemas muito grandes no especial, porque ele era de educação Física e não percebia nada daquilo…
Passados uns meses, nós resolvemos constituir um grupo de trabalho dentro do sindicato. era o grupo de trabalho mais heterogéneo que se pode fabricar, com gente de todos os lados,, gente que já tinha estado no sindicato e gente que nunca tinha estado… Coisa engraçada, o Jorge Martins fazia parte desse grupo. e qual era o nosso trabalho? Fazer o estatuto do Professor. Começámos a trabalhar, e quem é que do PS trabalhava connosco? o Manuel Ramos, que era alta personagem da altura e que nos encanzinava aquilo de uma maneira… nós éramos 14 ou 15 e reuníamos num dia fixo da semana. Um dia, o homem chega e diz: Temos que mudar de dia da semana, porque eu posso todos os dias menos este… olhámos uns para os outros, e ninguém podia noutro dia que não fosse aquele. resultado: ele foi-se embora e nós ficámos a trabalhar. [risos]

E aí, as coisas começaram a precipitar-se?

Depois houve um encontro, na Figueira da Foz, em que rebentámos com a direcção. rebentámos, porque tínhamos teses muito boas e aconteceu uma coisa engraçadíssima: para podermos ir todos, dividimos o trabalho que tínhamos feito em capítulos e repartimos as apresentações. A parte que me calhou – nem sei se fui eu que a escrevi – tinha despertado bastante interesse na Universidade do Minho, e, no dia em que ia ser apresentada à tarde, aparece alguém a dizer que já tinham discutido o meu documento de manhã. Tinha sido publicado numa revista que estava lá e houve alguém que o copiou e apresentou como sendo dele. os próprios do Minho diziam que aquilo já era mais ou menos conhecido deles, mas iam ver o que se passava à tarde. eu, a primeira coisa que disse, é que não admitia plágios e que tivessem aceitado uma comunicação que era minha, toda a gente sabia, estava publicada e foi copiada com pontos, virgulas, etc.

Portanto, a comunicação passa quase sem ser feita, mas, às perguntas que o Minho queria fazer sobre a nossa posição, aquilo foi assim um rebentar...

A seguir é que entra o PSD. A Manuela Teixeira concorre com uma lista e liquida aquilo, porque o que estava ali era uma comissão liquidatária, não era uma situação de sindicato. os estatutos continuam os mesmos, por sectores, e para o especial e o Superior ganhou sempre uma lista opositora. Portanto, eu continuei sempre no sindicato. e portei-me tão bem ou tão mal, que passei a ser presidente da Mesa da Assembleia de Delegados.

Portanto, a direcção tinha elementos de um lado e do outro?

Sim… e havia cenas de morrer a rir, porque eu dizia qualquer coisa do que eu sentia sobre aquilo e aparecia-me um qualquer: escusavas de ser tão agressiva…, a julgar que eu era deles. Isto aconteceu até nós resolvermos que não fazíamos mais folclore, porque o que nós estávamos era a dar ali uma cor… Ah! entretanto, a Manuela Teixeira impugna umas eleições, porque além de termos ganho o especial e o Superior (que ela, connosco, já não se metia), ganhámos também o Segundo Ciclo e outro qualquer, ou um regional, talvez viana. ela impugnou as eleições e nós dissemos que não concordávamos, que desistíamos e que não votávamos na repetição. Coisa engraçada: a votação foi na escola Gomes Teixeira, e eu fui para a porta pedir às minhas colegas do especial que não entrassem, que não votassem. Mesmo assim, elas insistiram e eu voltei a ganhar. eu disse que tinha desistido, mas a Manuela Teixeira arranjou um argumento que não era descabelado: ela dizia que a lista geral tinha desistido, mas que nas listas parciais e de sector tinha que ser cada um a desistir. Como o especial não meteu lá o papel a dizer que desistia, continuava a existir e, portanto, eu continuei a ganhar. Claro que não fui tomar posse, nem coisa nenhuma, mandei-os dar uma volta e vim para a organização do Sindicato dos Professores do norte. e pronto.

Mudando um pouco de assunto… Quais foram os melhores e os piores momentos da tua carreira e da tua experiência sindical?

Olha, os piores momentos foram quando não conseguíamos que as licenciaturas do ensino especial fossem consideradas. Nós tínhamos um curso e defendíamos que deveria ser considerado, à maneira dos outros, como uma licenciatura. Quando toca a discutir- se isso, não consideraram os cursos que tínhamos, que eram de qualidade, e obrigaram a fazer outros. Por outro lado, qualquer indivíduo que tivesse um curso de Ciências da educação, ou coisa parecida, podia passar à nossa frente. o assunto acabou por se resolver, mas este foi o pior momento, porque nós achávamos que tínhamos direito e que aquilo era habilitação. Inclusivamente, já tínhamos feito pós-graduações em que as cadeiras eram consideradas, por exemplo na Universidade do Minho, uma parte teórica do mestrado. Portanto, colocarem-nos abaixo de toda a gente não era coisa que eu admitisse. Foi um período muito mau. Além de que nós defendíamos os quadros, que o ensino especial fosse um sector e não um subsector que andava agarrado aos outros e não era coisa nenhuma. Melhores ocasiões… Conseguir que as classes especiais passassem a ser classes de apoio, que dessem apoio e, ao mesmo tempo, resolvessem os problemas dos meninos; e se resolviam em dois ou três meses, o menino seguia viagem. Considero esta medida positiva e, da nossa parte, uma coisa boa termos conseguido que o assunto se resolvesse. Por outro lado, eu consegui fazer sempre aquilo a que achava que tinha direito. nunca abdiquei dos direitos que tinha e, se não era professora do ensino especial, se não me davam essa categoria e continuava a ser professora do Primeiro Ciclo, eu tinha que ser tratada dentro da escola como uma professora do Primeiro Ciclo.
E como tal, tinha direito a ser directora de escola. e fui, muitos anos. Durante esse tempo, tenho várias coisas que considero positivas.
A primeira foi criar uma associação de pais – a primeira associação de pais do ensino Primário da cidade do Porto.

Na escola de S. Vítor?

Foi em S. vítor. Deu muito trabalho e teve várias vicissitudes. Era preciso estarmos de acordo com os problemas e com o que se passava na época, e driblar algumas situações com cuidado, para não ofendermos os outros, mas lá conseguimos.
Outra coisa foi abrir a cantina da escola. As crianças eram extremamente carenciadas, havia muitas que não comiam, a quem era preciso dar-se uma sande ou outra coisa qualquer, e quando se conseguiu abrir a cantina da escola, tudo bem. eu tive grande parte nesse negócio porque, entretanto, a Câmara do Porto, que por sinal era PSD, tinha criado uma comissão de Acção Social escolar para o Primeiro Ciclo, de que faziam parte os delegados escolares e um director de cada zona, e o meu delegado escolheu-me.

Já agora, se tivesses que indicar o melhor ministro com quem lidaste, quem escolherias? E…

Ah! Para mim, o melhor ministro foi o vítor Alves!

E o pior? [pausa] Ainda está para vir?

O pior foi… eu tenho histórias engraçadas com ministros, mas talvez o pior tenha sido o Couto dos Santos. não percebia nada de nada…

E o Vítor Alves?

O vítor Alves… A primeira reunião que ele fez com os sindicatos, foi connosco e começou por nos dizer que tinha sido nomeado dois dias antes, que não percebia nada daquilo e, se metesse água, que nós disséssemos, porque ele não sabia. estavam lá os directores-gerais todos do tempo da “outra senhora”, e nós. A determinada altura, eles começam a meter água, mas à grande. Desde não conhecerem o decreto da colocação dos professores. eu disse qualquer coisa e o vítor Alves virou-se para mim: Meti água? não, o senhor ministro não meteu água; ele é que não conhece a lei. E o ministro: Mostre-me a lei! e depois: Ah, tem razão! De facto, o senhor não conhece a lei, porque se conhecesse não estava para aí a dizer isso!
E um dia, numa conversa aqui no Porto, consegui que ele juntasse as escolas masculinas com as femininas. Porque até àquela data, nas escolas pegadas, a feminina tinha meninas e meia dúzia de rapazes, e a masculina tinha rapazes e meia dúzia de meninas. não podia ser, aquilo tinha que ser misturado e equilibrado! e andar a gerir duas escolas no mesmo prédio, com duas gestões totalmente diferentes, também não dava! Portanto, eu disse que aquilo não podia continuar assim e que fizessem o favor de unir as escolas! E quando eu digo isto, o vítor Alves diz que eu estou cheia de razão… De tal maneira que, isto passa-se, e o nosso amigo Salvado Sampaio, que não me conhecia de lado nenhum, foi dizer a alguém para terem muito cuidado, porque que havia uma fulana a quem o ministro fazia o que ela queria. (risos) estás a ver a cena…
O Couto dos Santos, esse nunca fez nada, nunca conseguiu perceber nada… Dava umas respostas evasivas e nunca resolveu nada. não serviu para nada naquele sítio. Isto, sem falar do outro, que veio do Técnico [Diamantino Durão]… era muito bom homem, mas, coitado, não aquentou nem arrefentou. Para mim, o pior, e mais ignorante, foi o Couto dos Santos.

E enquanto dirigente sindical, qual foi a situação que te deu…
Maior gozo? o maior gozo para mim?
No tempo do Cavaco [Silva] primeiro-ministro, tinha havido uma alteração do esquema de vencimentos, e todos os professores que se tinham aposentado até essa altura estavam com pensões altamente degradadas. e havia uns, recentes, que eram os do [Miguel] Cadilhe, porque ele fez uma lei pela qual quem tivesse determinada idade e X anos de serviço, podia pagar o que faltava até aos 36 anos de serviço e aposentar-se. Só não lhes disse – e nós dizíamos que não o fizessem, porque já sabíamos – que ia haver uma alteração. As pessoas acharam que tinham feito uma grande obra, e há que pedir. Fazem-no em Setembro ou Outubro, e em novembro rebenta a bomba: eles ficam da parte de lá, sem aumento, quando podiam ter o aumento do lado de cá. e por mais que quisessem desistir, estavam mesmo na aposentação.
De maneira que era preciso tratar dessa gente. Fizeram-se dois congressos de aposentados, fizeram-se petições, fizeram-se manifestações.
Chegámos a levar 200 a Lisboa, alguns com 90 anos, e conseguimos uma coisa inaudita, que foi estar com um temporal desfeito em frente à Assembleia da república e os polícias, com medo que os senhores apanhassem uma pneumonia, a mandarem-nos entrar para o átrio – uma coisa que eu nunca vi, e me deu uma tremenda vontade de rir.
Visitámos os grupos parlamentares e fizemos toda a sorte de possibilidades, até que a petição acaba por ser discutida com os professores lá. Por má orientação, quem estava a presidir [Mota Amaral] resolveu pôr a petição à votação, em vez de a mandar para estudo. Agora imagine-se, depois de os professores – divertidíssimos – terem visto os deputados a ler o jornal, a falar com o vizinho do lado, a sair, a entrar, a assinar o ponto e a pôr-se a andar, acabam por estar meia hora à espera que as campainhas tocassem para os senhores deputados irem votar. Porque eles tinham a certeza de que, se não aparecessem todos os que não sabiam no que iam votar, éramos capazes de ganhar. Mas pronto, perdemos. Fizemos para lá um arrazoado e fomos postos na rua, mas a parte anedótica é no autocarro. os professores chegam tão satisfeitos que o motorista pergunta: Ganharam? não, perderam. Ah! Mas estão muito satisfeitos… Pois estão, porque viram coisas que nunca imaginaram ver.

Mas não desistiram de lutar?

Claro que, apesar de ter sido rejeitada, a petição foi recuperada. nessa altura, eu e a chefe de gabinete do CDS-PP tínhamos conversas quase diárias, até que foi mesmo aprovada (Lei 39/99). Aquilo foi indexado a 70%: quem tinha mais de 75 anos, recebia logo o dinheiro todo e ficava nos 70%; os outros começavam por cinquenta 50% e iam por aí adiante. Só quero dizer que aquela gente que na altura nos chamou os nomes todos – porque queria os 100%, e não era possível; aquela era a melhor medida que se podia arranjar – está bem melhor do que com as aposentações antecipadas que estes estão a fazer, e já ninguém chia. Agora…

Agora… Aos 79 anos, o que é que ainda te move para continuares a vir todos os dias ao sindicato?

Os professores. Defender os professores e, sobretudo, tentar convencê-los de que determinadas soluções não são soluções. Uma vez, num encontro organizado pela Câmara do Porto, fiz uma intervenção qualquer e um professor da Galiza disse-me que lamentava que a vida não me chegasse para eu conseguir fazer o que queria. Felizmente, eu tenho tido vida para fazer o que quero… e continuo a tentar fazer o que quero; ou o que é preciso que eu faça.

Para terminar, sentes-te mais professora ou mais sindicalista?

Eu não abdico de dizer que sou professora. nunca abdiquei. Quando, em 74, a Segurança Social queria acabar com os professores e pôr todos como técnicos, porque ganhavam mais 100 paus, nós fizemos uma bulha desgraçada e dissemos que éramos professores, tínhamos uma profissão e não abdicávamos dela. Portanto, eu sempre me senti professora, e não admito que alguém diga que, porque se aposentou, deixou de ser professora – leva logo uma cartinha das minhas, a dizer: à senhora, ninguém lhe tirou o curso; é professora.
Mas, neste momento, sinto-me mais sindicalista.

E gostas de ser…

Gosto muito.

[Entrevista conduzida por António Baldaia]


  
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