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Educação e Terceira Idade (ou a aprendizagem da maturidade)

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Somos os sobreviventes da nossa primeira juventude,
estamos de luto pelo petiz que fomos
e envelhecemos sem crescer.
Pascal Bruckner

Sem querer mistificar a experiência de sensibilidade e de vulnerabilidade que acompanha o processo de envelhecimento a vários níveis, proponho-me neste texto evidenciar a ideia de que todas as etapas e momentos da vida têm os seus pontos fortes e os seus pontos fracos e que, enquanto humanos, é com isso que temos que viver. Com a consciência de que somos seres com limitações mas também, e fundamentalmente, que somos seres com infinitas possibilidades. Ora, do meu ponto de vista, um dos pontos fortes das pessoas da terceira idade, a partir do qual deve ser pensada a sua participação social, é precisamente a relação com o tempo ligada à sabedoria que é própria de uma maturidade serena.

Num mundo que perdeu os seus modelos de socialização e de comportamento, outrora considerados estáveis e seguros, a vida passou a ser encarada como uma luta constante, pelo emprego, pelo êxito pessoal e profissional, pelas condições de bem-estar da família, pela actualização permanente em termos de informação e pela posse de bens de consumo, considerados imprescindíveis à manutenção de certos padrões de vida. E tudo isto sem perder a energia, a saúde e a beleza, de acordo com o ideal de juventude requerido por uma sociedade ferozmente competitiva e narcisista. Um ideal de juventude que foi exaltado de forma excessiva pela famosa "geração de 60", precisamente aquela que agora se encontra na idade adulta. Como denuncia Pascal Bruckner, para esta geração rebelde, impaciente e sedenta de felicidade a todo o custo, a maturidade significava decadência e traição. Não confies em alguém com mais do que trinta anos, gritava um dos slogans de Maio de 68. Ou, recordando as palavras de um dos meus ídolos de juventude, o músico Jim Morrison: queremos o mundo e queremo-lo já! Não é de admirar, pois, que muitos destes slogans tenham sido progressivamente adoptados por uma sociedade consumista que exalta o imediato da fruição, obscurecendo tudo o que na vida exige paciência, tempo e maturação.

Acredito que o verdadeiro sentido da vida está muito para lá do prazer proporcionado pelas coisas do mundo. O amor à vida ganha sentido através dos encontros e dos laços que nos aproximam de outras pessoas. O mundo não é apenas a nossa casa. Nele habitaram, habitam e continuarão a habitar (pelo menos assim o desejamos) outras vidas. E é na experiência de relação, de encontro, de solidariedade e de responsabilidade em relação a essas outras vidas que se vai construindo a nossa identidade humana. E a juventude depende, isso sim, da forma como soubermos manter, em todas as etapas da vida, a disponibilidade para aprender com os outros. A juventude está ligada à hospitalidade do espírito, à disponibilidade para acolher as novidades do tempo, as surpresas da vida e o desconhecido. Mesmo quando sabemos que esse desconhecido pode até ser, naturalmente, a própria morte.

A participação social das pessoas de terceira idade pode ser potenciada nos próprios contextos e áreas de trabalho onde os adultos em questão desenvolveram a sua actividade profissional ou em contextos e áreas novas, dando expressão a desejos outros, impossíveis de realizar durante o chamado período de vida activa. Contrariando assim a experiência de uma reforma vivida como imposição impiedosa quando deveria ser encarada como um momento de liberdade, como mais um momento de liberdade neste nosso devir humano. Como momento em que a sociedade, que consumiu tanto da nossa energia e do nosso tempo, reconhece e legitima o direito de vivermos em plenitude a forma que escolhemos para continuar a exercer os nossos deveres.

Gostaria no entanto de evidenciar, de um modo particular, o contributo precioso que pode ser dado pelas pessoas da terceira idade nos territórios educativos, seja no âmbito de dinâmicas de formação escolar ou de formação extra-escolar. Citando Eduardo Prado Coelho, num universo dominado pela celeridade da informação, é preciso recuperar o sentido da sageza e da experiência que apenas as histórias nos são capazes de dar. Histórias para adormecer, histórias para comer a sopa até ao fim, histórias para seduzir (1997). E quem melhor para nos ensinar a ouvir e a contar histórias do que as pessoas da terceira idade, pessoas capazes de transmitir um conhecimento temperado pela memória do vivido, logo pela subjectividade e pela afectividade. Pode a educação dispensar estas duas dimensões tão próprias do humano?

As extraordinárias oportunidades de desenvolvimento abertas pelas novas tecnologias de nada servirão se sacrificarmos a lição que nos pode ser dada pela mão, pelo olhar, pelo gesto, pelo afecto e pela palavra de quem pode, pessoalmente, dar testemunho de uma vida, de uma experiência e de um conhecimento.

Como educadora, tenho aprendido ao longo da vida que educar é, antes de mais, uma arte de encontro e de comunicação destinada a provocar junto de outros relações positivas com a vida. Ou seja, relações positivas com as pessoas, com a história, com os espaços, com a leitura, com a escrita, com determinado ramo do saber, com a escola, com as regras da sociedade etc. Seja na infância, na adolescência ou na adultez, seja em contexto escolar ou extra-escolar, só se educa verdadeiramente quando tocamos o outro (arrisco a dizer: quando o emocionamos) ao ponto de conseguirmos despertar nele a vontade de aprender, dispondo-se a percorrer o caminho de esforço, de disciplina, de paciência, e de serenidade exigido pela aventura do conhecimento. Como nos lembra Ribeiro Dias (1998), no contexto de uma sociedade educativa, a educação tem que deixar de ser vista como preparação para a vida para passar a ser valorizada como dimensão da própria vida, o que justifica uma maior aproximação entre a educação permanente e a educação comunitária.

Os idosos precisam, e merecem, um outro olhar e uma outra atitude por parte da sociedade, mas a sociedade mais justa, mais solidária e mais humanista que desejamos para este novo século precisa também dos idosos, precisa da sua participação empenhada, da sua lição de vida e do testemunho da sua serena e sábia maturidade. Porque se é verdade, conforme diz o ditado, que a vida são dois dias e que este já conta, é igualmente verdade que a eternidade do tempo cabe em cada segundo em que nos damos inteiros e, desse modo, nos tornamos capazes de produzir e acolher acontecimentos novos.

Por tudo isto, julgo que importa hoje encontrar formas que nos permitam valorizar a participação daqueles que por terem chegado mais cedo a esta vida, podem dar testemunho de uma sabedoria assente nessa verdade tão simples, quanto esquecida: a de que a vida é um bem precioso e frágil e que mais vale viver a favor do que contra o tempo. E, também aqui, o papel dos educadores sociais é fundamental. Enquanto técnicos superiores preparados para conceber e dinamizar projectos pedagógicos com pessoas de todas as idades e numa pluralidade de contextos de trabalho, são com certeza os profissionais melhor posicionados para dar expressão prática à relação enunciada no título deste texto: Educação e Terceira Idade .

Isabel Baptista
Universidade Portucalense

Referências Bibliográficas

  • Bruckner, Pascal. 1996. A Tentação da Inocência. Europa-América.
  • Prado Coelho, Eduardo. 1997. O Cálculo das Sombras. ASA. Porto
  • Ribeiro Dias, José. 1998. A Procura da Sabedoria em Educação in Actas do I Encontro Nacional de Filosofia da Educação. Univ. Minho. Braga

*O texto que aqui se publica constitui uma versão resumida da comunicação apresentada no IV Congresso Luso Espanhol "A Terceira Idade e o Mundo do Trabalho" (Porto, Nov.2000)


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 99
Ano 10, Fevereiro 2001

Autoria:

Isabel Baptista
Universidade Católica, Porto
Isabel Baptista
Universidade Católica, Porto

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