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Ousar Perder

Há várias formas de conceber as relações entre poder e conhecimento: poder sem saber; saber sem poder; saber dominando o poder; poder dominando o saber. É do exercício do poder que tratamos neste texto.

Saramago disse em Timor (nós ouvimos) que é grave não saber escrever. é grave, sobretudo quando a nossa profissão é a profissão docente. Seria como o operário que não distinguisse a betoneira da lata de tinta.

Hoje o discurso acéfalo tende a dominar. Dan Quayle, antigo vice-presidente americano, disse um dia, numa visita à América Latina, que tinha de falar inglês (pediu desculpa por isso) pois não sabia falar Latim!

Tende a triunfar o poder sem saber, melhor, o poder dominando o saber. O poder é cada vez mais anónimo, pois reside em grandes grupos económicos. O poder político tem ainda importância, mas é um poder entregue a gente que necessita de dominar aqueles que sabem alguma coisa, evitando o fim que parece anunciado da "política".

Poderemos vir a assistir, no futuro, ao triunfo total do poder aliado ao conhecimento científico, com a capacidade acrescida que resulta dos avanços da Biologia ou das Tecnologias de Informação, não esquecendo que até hoje as ciências estiveram ao serviço de todas as formas de poder. As transformações na vida humana foram marcadas pelo domínio do fogo, pela invenção da roda, pela escrita, pela imprensa, pela divulgação do automóvel, pelo computador.

Amanhã viveremos com os clones, a criação do macaco-rato, da vaca-porco, tudo ao serviÿo de quem? As grandes transformações na vida humana terão resultado de transformações tecnológicas; os modos de produção não estão esgotados enquanto (mal ou bem) continuarem a ser criadores, fonte de invenções. Não será o caso do modo de produção capitalista?

Os docentes exercem sobre os alunos várias formas de poder. Podem dar cabo da vida deles, podem matar vocações, podem fazer com que a sua imagem seja associada à de uma determinada disciplina que os alunos passam a odiar. Quantas pessoas não passaram por isto? Os docentes não têm o direito de exercer o poder sem saber, não podem ser eles a declarar "não, porque sim!"

Este tipo de "argumento" não tem lugar numa sociedade cuja obrigação (ainda diz ser) progredir, promovendo a razão; mas há quem só entenda a "razão" do poder. A Educação é fundamental. A deseducação é um crime. Pode ser o resultado de impreparação. Todavia tudo tem limites. Quem não distingue uma criança de um telefone faz lembrar quem confunde a betoneira com a lata de tinta. Seja para esses a Educação Permanente, de preferência do berço ao túmulo.

Enquanto não se realizar o muito provável futuro dos clones, o dever dos professores é lutar pelo sonho, ainda que considerem que têm razão contra a História, e que por isso mesmo lutam para perder.

Carlos Alberto Mota,
Maria Gabriel Cruz,
UTAD, Vila Real.


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 99
Ano 10, Fevereiro 2001

Autoria:

Carlos Alberto Mota
Univ. de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), Vila Real
Maria Gabriel Cruz
Univ. de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), Vila Real
Carlos Alberto Mota
Univ. de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), Vila Real
Maria Gabriel Cruz
Univ. de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), Vila Real

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