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Lazeres activos e meio ambiente
Perspectivas e conflitos

Na alvorada do 3º milénio, o lazer e a recreação fazem mais do que nunca parte integrante da vida das comunidades. Nos domínios da cultura, da educação, do desporto, da economia, da ciência, das actividades sociais, da saúde, etc... eles representam uma inegável desafio para as sociedades de hoje.

De toda uma panóplia de opções para ocupar o tempo livre, as actividades de lazer recreo-desportivo na natureza, contam-se entre as que a priori encerram factores mais positivos, nomeadamente, as oportunidades para fazer a ligação ao meio natural através do conhecimento dos ecosistemas; da apropriação de novas culturas e do contacto com outras gentes; do aumento da consciência ambiental; da criação de novos mercados para as economias locais e regionais; ou da potencialização do valor de conservação frente a outros usos do espaço. Todavia, as mesmas não deixam também de se apresentar como um fenómeno ambivalente pois podem também gerar impactos negativos nos meios natural, económico e social.

As actividades de lazer activo representam actualmente um elemento de importância crescente no tempo livre das populações. O aumento do tempo de lazer (especialmente aos fins-de-semana) da mobilidade, do poder de aquisição dos jovens, da erupção do mercado de produtos e complementos desportivos para todo o tipo de actividades, da moda pelo verde e da necessidade das populações urbanas entrarem em contacto com espaços abertos, livres e naturais, está a gerar fluxos muito importantes em direcção ao meio rural e aos espaços naturais. Este comportamento em consequência da falta de qualidade de vida nas cidades, caracteriza-se em termos gerais e nas chamadas sociedades pós-industriais por:

1.Um aumento explosivo da importância social do fenómeno da procura e da oferta desportivo-recreativa. 2. Uma sofisticação da procura e da oferta, em busca de novas formas de lazer e recreação. 3. Uma necessidade de novas experiências e aventuras no meio natural, de aproximação mais profunda e consciente à natureza. 4. Uma procura e invasão de espaços e paisagens de qualidade, até agora virgens. 5. Novas perspectivas relativamente favoráveis para as populações locais, de integrar as promoções desportivas e recreativas no seu sistema produtivo.

Associado a este quadro têm surgido ofertas organizadas para a prática das mais variadas actividades, tanto por parte de entidades públicas como de empresas privadas e associações culturais e desportivas.

Esta oferta-procura que tem originado a afluência de caminhantes, ciclistas, cavaleiros, condutores, voadores e "aquáticos", repercute-se numa forte incidência no ambiente de consequências ainda totalmente desconhecidas, mas presumivelmente importantes, já que são os espaços melhor conservados, (os que albergam maiores valores naturais) as paisagens mais atractivas para a realização destas actividades e as que concentram um maior número de visitantes.

São pois milhões de pessoas que invadem cada fim de semana e durante as suas férias, montanhas, rios, barragens, praias e espaços naturais protegidos. A indústria dos lazeres activos ganha milhões com este negócio e os espaços verdes são o destino das massas populacionais que, através do seu tempo livre, consomem recursos naturais de maneira cada vez mais crescente.

Podem-se tipificar presentemente mais de meia centena de actividades (tradicionais ou novas) de neve, terrestres, ar e aquáticas que nos dias de hoje se praticam permanentemente em vários países da Europa. O impacto ambiental destas actividades depende de muitos factores: características da própria actividade, número de pessoas que as praticam, lugar e frequência da sua realização, educação e sensibilidade para a prática do desporto em meio natural, educação ambiental, etc...

Estas actividades, em si, não são, em geral e em princípio, especialmente positivas ou negativas. O grau de impacto ambiental que podem produzir depende principalmente do modo e número de vezes que se realizam, do lugar, da época, do tamanho do grupo e da sua conduta. A redução deste impacto é da responsabilidade de cada um quando se realizam individualmente. No entanto uma prática organizada de natureza comercial ou outra do mesmo tipo, depende fundamentalmente dos promotores que a desenham, publicitam e guiam, não deixando desde logo a mesma de comportar um valor de risco acrescentado em termos de sustentabilidade.

Isto porque, a maior parte das vezes as preocupações assentam em valores de natureza meramente comercial, evidenciando-se valores imperativos, como o lucro excessivo ou a procura da satisfação por qualquer meio e preço, dos clientes ou dos sócios de determinada organização. Mas, ao ir-se por este caminho, esquece-se que a oferta de actividades na natureza, rentabilizadas economicamente através da matéria prima que é a própria natureza, nega os recursos naturais e culturais de um dado território, e, um recurso que até agora se apresenta gratuíto, que é de todos, e que faz parte do património natural e cultural da humanidade.

Está relativamente assente a crença de que as ofertas do turismo verde ou das actividades de lazer activo que se desenrolam na natureza, são inócuas para o ambiente. Todavia não é assim. Toda a actividade humana produz uma alteração no meio, positiva ou negativa, mais ou menos importante, não deixando de ser uma alteração ao fim e ao cabo.

Para que se processe um desenvolvimento sustentado da prática das actividades de lazer activo está ainda muito por fazer. Há que evitar o ponto critíco a que chegaram muitas outras actividades económicas e sociais que envolvem o próprio homem. Para que se não atinja esse ponto critíco surgem cada vez mais, quase quotidianamente, distintas recomendações de organismos internacionais, como a ONU, a UNESCO, o Conselho da Europa, o Comité Olimpico Internacional, ou as Associações não governamentais de índole desportivo ou ambientalista.

Solicitam-nos estas entidades e instituições uma simbiose entre o bem estar e a qualidade de vida que é dada pela prática desportiva em contacto com a natureza. Procura-se que as imposições relativas aos problemas ambientais acentuados nas últimas décadas de maneira alarmante, não tenham que se repetir agora, noutros campos da actividade humana, nomeadamente no acesso e nas limitações das actividades de lazer activo em contacto com a natureza.

Conceber uma cuidadosa e correcta política de planificação e gestão destas actividades, individual e/ou colectivamente é um imperativo do tempo actual.

Caminhar sempre no compromisso de uma educação inicial e permanente das populações, através da qual o seus tempos livres possam ser significativos, social, histórica e culturalmente e desta forma contribuir para a garantia de que o ar, a água o solo, a paisagem, a fauna e flora continuem a ser tesouros que se transmitem, conservados, defendidos e melhorados, de geração em geração, é uma obrigação que a todos diz respeito e a ela ninguém deve ficar indiferente.

Chegados a este ponto é importante referir, se bem que sumariamente, alguns dos conflitos que começam a manifestar-se entre os vários intervenientes e os consequentes factores de desiquilíbrio ambiental que as actividades de lazer activo provocam ou parecem provocar em termos de impacto ambiental.

Vejamos a título de exemplo algumas das que se apontam como das principais acções lesivas produzidas no ambiente

No meio aquático: a contaminação das águas por perdas de óleos, carburantes ou detergentes das embarcações a motor. No meio aéreo: o abandono do habitat de diversas aves, em particular em período de nidificação, originado pelas práticas não cuidadas de parapente e asa delta. No meio terrestre: alterações erosivas em pistas e trilhos de serras ou montanhas; desvio de pequenos cursos de água; recolha pouco selectiva de plantas, rochas ou fósseis; morte de animais por atropelamento, etc..., provocados pelos "veículos todo o terreno", praticantes de BTT, escaladores em rocha natural, acampamentos "selvagens", caminhadas, etc...

Muitos outros exemplos, do ponto de vista ambiental, educativo, físico ou desportivo aqui podiam ser trazidos à ilação, mas pensamos que o desenho apresentado já é suficientemente elucidativo. Sendo nós apologistas das actividades desportivas em contacto com a natureza, estamos à vontade para perguntar se não se regista uma indiscutível falta de regulação oficial para a maioria das actividades que presentemente se praticam de forma livre em contacto com o ambiente.

A questão da estatégia não consiste necessariamente em impedir o acesso público a uma determinada área recreativa de características naturais, mas muito mais das formas de gestão (quase inexistentes) sobre as actividades que se desenrolam preferencialmente no espaço público.

A este propósito Gaudreau (1) sublinha nos seus estudos alguns aspectos que devem ser tidos em conta para melhorar este estado de coisas:
Medidas administrativas: controlo das entradas nos espaços e das actividades. Medidas preventivas: escolha criteriosa de materiais, localização de equipamentos, períodos ou estações de utilização. Medidas incentivas: orientar os adeptos de maneira a afastá-los das zonas mais vulneráveis. Medidas educativas: educação para o respeito pelo ambiente. Medidas coercivas: regulamentações e actuações eficazes. Medidas de restauração: regeneração do tapete vegetal, estabilização dos solos.

Estudos como os de Gaudreau e outros sobre o turismo de massas ou os lazeres activos na natureza, só podem ser benéficos para o desenvolvimento sustentado do território. Os mesmos certamente nos conduzirão para conclusões mais claras e objectivas que procurarão, por sua vez, dar resposta à seguinte hipótese as graves alterações sobre a fauna e a flora e em geral sobre a qualidade ambiental do território estão ou não já, ou em vias de estar, afectadas pela prática das actividades de lazer activo.

António Mendes Lopes
Instituto Politécnico de Setúbal
aml@ese.ips.pt

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(1) Gaudreau, Leópold (1990). Incidences environnementales des loisirs sur les milieux naturels et les ressources vivants. Loisir et Société. Vol.13, nº 2. pp. 297-324.


  
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Edição:

e
Ano 9, Dezembro 2000

Autoria:

António Mendes Lopes
Instituto Politécnico de Setúbal
António Mendes Lopes
Instituto Politécnico de Setúbal

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