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Educar para a Educação

Redundância? Gralha? Ignorância? Se calhar não é nada disto! A reflexão prende-se com o título do escrito, obviamente.
E a vontade de eleger tal epígrafe resultou, assim em termos de causa próxima, da leitura do livro, ou melhor do folhear do livro "Educação para a cidadania" e da leitura do seu prefácio. Neste, Jorge Sampaio, a dada altura afirma:
" Época paradoxal e contraditória a nossa. É a época da comunicação universal e instantânea e, no entanto, um dos seus maiores flagelos é o da solidão povoada, do isolamento, do silêncio e da incompreensão que atinge indivíduos e grupos: etários, sociais, geográficos, étnicos. É a época da informação permanente e, contudo, é, tantas vezes, a do desconhecimento mútuo, da superficialidade nas relações humanas, da falta de responsabilidade social. É uma época de globalização e, todavia, de distância indiferente perante catástrofes, dramas, crimes, guerras, genocídios."
Há como que um desafio à gestão das contradições, ou seja, à consciencialização de que elas existem e, de que, se bem exploradas, poderão dar origem a material de correcção de traçados, de vias, enfim, de mudança. E, educar (até instruir) não será essencialmente ensinar/aprender a viver em processos de mudança?
Então, como a cidadania será uma responsabilidade, direitos e deveres, perante cada um e o(s) outro(s) segundo princípios e valores, imutáveis na essência mas imperativamente enquadrados nas percepções das diversas realidades, educar para a cidadania é educar para a educação. Que a esta aparente linearidade se não atribua um sentido redutor. Que a esta observação, porventura controversa, se reconheça o papel primordial da Educação em tudo o que alarga e condiciona o palpitar do mundo.
Livros há muitos e bons. Material escrito em forma de manual pode ser perigoso. Perigoso em qualquer matéria, mas no que respeita a educação para a cidadania a coisa fia mais fino. É que, por entre definições e asserções muito objectivas indubitavelmente necessários à construção do edifício, embora meros blocos a ligar por cimento amassado de convicção, prática e eficácia, a referida publicação, não sei por que artes, avivou-me a memória de uma disciplina (é "disciplina" que se pretende?) que me "deram" quando terminava o liceu e que se designava Organização Política e Administrativa da nação. OPAN! Ó pá, francamente!
Estejamos atentos e passemos ao estádio de advento de um Natal, estamos em Dezembro, que se quer prenhe de presentes da dita educação para se ser gente livre e autónoma.
Penso em Timor, particularmente em Timor Loro Sae, mas também em Timor da Indonésia, já que para este país a necessidade de presentes de democracia é premente para que não esmoreça o movimento de mudança.
Sei que no Timor do meu coração, para as bandas do Suai, há espaços de aula que são desenhados por sombras de árvores milenares enquanto o sol as não apaga. Não há lápis, não há papéis, não há bancos, não há mesas, não há manuais convencionais. Apenas uma placa rectangular de um qualquer aglomerado de cor castanha adorna a cena.
Está lá o professor timorense. Estão lá os alunos e as alunas que não usam relógios para contar os quilómetros que os seus pés percorreram para chegar à escola. O motor para a cidadania marca presença: as pessoas que querem ser gente e a quem não falta a dignidade inerente. O óleo, o combustível, certas peças elementares, ferramenta adequada têm falta a "vermelho" . Para vermelho basta a memória do sangue que correu e que, apesar de tudo, teima em continuar a mostrar-se literal ou subtilmente. Quem sabe se o improvisado quadro castanho não serve para base ou espelho de esquissos que levem à soberana independência?
Timor espera o tempo que lhe roubaram. A Educação é urgente!
Bom Natal, Timor!

Iracema Santos Clara
Escola E.B. 2/3 Dr. Pires de Lima


  
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Edição:

e
Ano 9, Dezembro 2000

Autoria:

Iracema Santos Clara
Escola E.B. 2/3 Dr. Pires de Lima, Porto
Iracema Santos Clara
Escola E.B. 2/3 Dr. Pires de Lima, Porto

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