Página  >  Edições  >  N.º 94  >  A Comunidade Educativa

A Comunidade Educativa

Quem vá prestando alguma atenção ao que se passa no mundo da educação, designadamente através dum certo discurso que se pretende actualizado, não pode deixar de se questionar acerca do que significam algumas inovações lexicais, votadas a uma rápida centralidade semântica no interior da linguagem profissional, sem que, entretanto, sejam muito claros os motivos por que isso acontece.

É o caso da expressão "comunidade educativa" que, mercê dum certo favor que lhe terá sido concedido pelos textos oficiais, lestamente passou para a literatura burocrática, académica e jornalística e hoje é um recurso omnipresente na linguagem quotidiana para designar algo que em tempos se chamou "escola".

Se bem que aparentemente nada obste a que se possa usar as expressões "escola" e "comunidade educativa" como termos sinónimos, a verdade é que a postura politicamente correcta aconselha a que se use, hoje, "comunidade educativa" e já não "escola". Tudo se passa como se o tempo da "escola" fosse um tempo irremediavelmente ultrapassado, um tempo marcado pela estratificação e distinção sociais operadas pela existência da própria "escola" que, assim, aparece identificada com um espaço de transmissão de saberes e valores universais, didacticamente controláveis e eminentemente dependentes da autoridade e do poder dos professores.

Esta "escola" é incompatível com a do discurso da "comunidade educativa" que é regido semanticamente pelo princípio da inclusão, remetendo para um espaço socialmente indiferenciado, - um território comum - onde as responsabilidades de formação e aprendizagem são cooperativamente partilhadas entre os vários actores educativos. Nada mais explícito a esse propósito que o seguinte passo do Documento Orientador do Ensino Básico de 1998:

(O Ministério propõe-se) "Incentivar novas formas de parceria educativa com os pais e as comunidades educativas, quer através da sua efectiva participação e corresponsabilização na administração das escolas, quer através de formas de voluntariado sócio-educativo".

A ideia que perpassa neste texto é a de que a escola, como instituição, já não tem legitimidade para definir, unilateralmente, o que é e não é o educativo, sendo, por isso, que se espera dos pais e das comunidades educativas um contributo institucionalizado nesse sentido; ou, dito de outro modo, o educativo e o não educativo já não se podem definir do lado de fora dos interesses privados e dos interesses sociais locais que, enquanto fonte de uma nova legitimidade educativa, aparecem como complementares e já não contraditórios. O critério do que é educativo é, então, o que se revele pertinente e eficaz para assegurar o sucesso do ponto de vista da oportunidade oferecida, significando a oportunidade oferecida o modo através do qual a comunidade educativa promove, flexivelmente, a integração social do aluno. E quanto mais flexível for essa oferta, em correspondência com o grau de integração no meio, maior será a oportunidade e, paralelamente, a responsabilização. É nesta relação biunívoca entre o aluno e a comunidade educativa que se define o que é e não é educativo. Parece residir aí, em boa parte, a actualidade discursiva do termo.

Manuel Matos
Faculdade de Psicologia e das Ciências da Educação ? Universidade do Porto

  
Ficha do Artigo
Imprimir Abrir como PDF

Edição:

N.º 94
Ano 9, Setembro 2000

Autoria:

Manuel Matos
FPCE, Univ. do Porto
Manuel Matos
FPCE, Univ. do Porto

Partilhar nas redes sociais:

|


Publicidade


Voltar ao Topo