A Sociedade a quis, o Homem a pensou, o Diabo a inventou: eis a Escola! Ao longo de mais de dois séculos, inútil, perversa, resistente, matreira, mestre em estratégias de sobrevivência, estendeu tentáculos, fintou a História, gerou anticorpos, aprendeu a legitimar-se, sublimou crises que conduziram à falência instituições tão caducas quanto ela, fossilizou-se. Hoje, beneficia da imunização total que lhe conferem alguns anestésicos discursos. Sucessivos decretos lhe são injectados, mas a Escola, tal como a ostra perante a presença de um grão de areia, aprendeu a digeri-los sem provocar azia. E as pérolas que produzem são amostras sem valor, réplicas tão inócuas quanto as redundâncias teóricas e as inconsequentes experiências de inovação que as inspiraram. A Escola (com letra maiúscula) beneficiou desses implantes e cosméticas que lhe alteraram o rosto sem lhe corroerem as entranhas. A Escola (com letra maiúscula) já teve a sua oportunidade. Agora, é mudá-la ou ajudar a exterminá-la. Protejamos as comunidades do seu contágio. Coloquemo-lhe o rótulo "Produto perigoso. Manter afastado do alcance das crianças". Mas as escolas (com letra minúscula) podem ser também lugares onde os professores podem aprender. Basta que estejam atentos e se imaginem navegadores... solidários. Cada escola (com letra minúscula) é um lugar com muitas histórias para contar. Histórias que dão testemunho de uma "reforma silenciosa" e que não consta dos normativos. A Ermelinda, a Arlete e a Teresa já tinham prescindido do refúgio na sua sala de aula. A sua escolinha já não era mais um arquipélago de solidões ou uma jangada de pedra à deriva. Tinham optado pela partilha de espaços e alunos, todas a remar para o mesmo lado. Porém, continuava a haver dois lados. A escolinha era do "plano dos centenários", tinha duas salas e cada sala a sua entrada. Grandes males, grandes remédios! Num belo dia, vá de deitar abaixo a parede que as dividia. Limpada a caliça, os putos espreitaram para o outro lado. Lá estavam meninas e meninos igualzinhos aos do lado de cá... O buraco estava aberto e nem pensar em tapá-lo. Veio o trolha a mando da Junta de Freguesia e fez do feio buraco um belo pórtico comum a dois universos que passaram a ser um só. Onde antes estava uma parede que dividia achava-se agora uma passagem que juntava. O derrubar da parede acompanhou o derrube de outros muros. A aula já não era "a minha aula" mas "a nossa". E do falar na primeira pessoa do singular se passou a ensaiar a palavra "nós". E o mais (que é o essencial) não cabe nas palavras. José Pacheco Escola da Ponte / Vila das Aves
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