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Caruso

Caruso é nome de gato.
Pelas noites enluaradas de Janeiro, o anafado Caruso arranca das entranhas miados mais estridentes, mais magoados, mais pungentes que os agudos operáticos do homónimo tenor napolitano. É tal a estridência dos nocturnos recitais que lograriam até despertar enfermos em coma profundo.
Pensarão os que acordam em sobressaltado que é da natureza dos gatos o miar à lua. Hão-de desculpá-lo, dirão que a culpa não é toda do Caruso mas do cio e das feromonas.
Ignoram que o Caruso é um gato capado. Um gato castrado não sabe porque mia, não sabe que o seu miar é estéril.
Porque razão ninguém lhe atira sapatos velhos ou esconjuros?

"A gente lê nos jornais"

George Jean dizia que os incapazes de pôr em causa o que julgam saber são totalmente incultos. E Piaget escreveu que as ciências sociais têm "o triste privilégio de tratar de matérias em que todos se julgam competentes". Isto é, e como concluem Stoer e Magalhães, "praticamente, toda a gente é perita em educação".
Nos desditosos descaminhos que esta leva, os
carusos são mais que as mães. Há crânios que não se cansam de nos brindar com pérolas de pedagógica erudição. Ora são as tolices dos políticos que se atrevem a discorrer sobre política educativa, ora a ignorância... dos "entendidos na matéria".
De um insuspeito canto de página de jornal pode saltar, subitamente, o emboscado disparate. Calejado, opto por respirar profundamente, contar até dez e passar à frente. Compreendo que o nosso tempo não é propício à reflexão fecunda.
Por vezes, dou comigo a querer acreditar que a asneira lida não passará de ingénua interpretação de jornalista, ou de uma debutante aventura de pedagogo de aviário sedentos de notoriedade. Porém, são tantos os dislates e tão "cientificamente" abalizados os seus autores, que desespero de ver que ninguém intervém para pôr no devido lugar amadores e diletantes.
As ditas ciências de educação tardam em alcançar um estatuto de maioridade e deixam em aberto um campo fértil para Tartufos e aprendizes de feiticeiro. Nem um ténue assomo de indignação, nada. Presumo que os cientistas da educação andem distraídos, absorvidos no escrever para existir, ou não leiam jornais.
Entretanto, o livro da Mónica já vai na segunda edição...


Atenção, cardíacos!

São tantos os desconchavos que lemos nos jornais que o difícil é fazer a selecção. Deixo aqui algumas citações com a delicadeza de não mencionar os nomes dos autores de tão belos exemplares. Juro que as transcrevo tal e qual as encontrei. Estas pérolas falam por si e foram produzidas por professores, universitários, autores de manuais escolares e até (juro!) por alguém que se reclama de pertencer ao clã das...ciências da educação.
Do vasto material disponível, extraí cinco excertos de artigos publicados em Fevereiro último, por ser o mês com menos dias disponíveis para publicação de despautérios.
Sobre "exames aferidos" (?) e com muitas saudades:
"A avaliação no básico também é muito injusta (...) O saudoso sistema de 0 a 20 era mais justo e exacto (...) Isto talvez mudasse se houvesse exames nacionais no final de cada ciclo. Mas exames a sério, não aquela fantochada que se prepara que são os exames aferidos (...) A culpa é das novas pedagogia e das modernices. A solução é mais exames".
Uma questão de números e com "muita experiência":
"Embora seja professor do ensino superior e não tenha qualquer experiência lectiva no ensino básico (...) A minha experiência (34 anos) de ensino (...) demonstra, à evidência, que as aulas expositivas não devem ter uma duração superior a 60 minutos, embora, ocasionalmente, com docentes muito experientes e em bons ambientes (com condições de conforto) se possam atingir 90 minutos (...) Com turmas de mais de 20 alunos, e ainda para mais jovens (muitas vezes irrequietos), é difícil que uma aula não tenha uma forte componente expositiva. Com turmas de 15 a 20 alunos (disciplinados) e com docentes treinados (...)"(...) e porque ninguém aguenta uma hora e meia de aulas expositivas, às vezes é necessário introduzir uma componente lúdica."
Um indefectível adepto da teoria dos dotes não o diria melhor:
"Há uma percentagem cada vez maior de alunos (...) incapazes de seguir uma via de estudos centrada no legado cultural, científico, artístico e tecnológico Para esses alunos, a escola básica estatal, de via única, é uma pura perda de tempo (...) urge proceder a mecanismos de selecção, a partir do 6º ano de escolaridade (...) seriam encaminhados para vias de índole técnica simples."
E eis que foram inventados os manuais à medida do ritmo de cada aluno:
"Há três condições essenciais para o sucesso na aprendizagem da Matemática: ser normal, ser trabalhador e ser persistente e os portugueses cumprem estes requisitos (...) não nos podemos esquecer de que os alunos têm ritmos próprios de aprendizagem. Nunca me esqueço disto quando estou a escrever um novo manual."
Finalmente e acerca do futuro do nosso país:
"Tirar uma negativa a História não tem as mesmas consequências que tirar uma a Matemática (...) É urgente que a opinião pública perceba que a Matemática é uma disciplina ligada ao sucesso económico e social de um país."


Se puder acrescentar mais umas palavrinhas...

A opinião pública agradece o aviso. Comparada à matemática, a História é um aleijão que deveria ser banido do currículo, para bem do sucesso económico e social do país. Adiante... "As discussões pedagógicas, como quase todas dos nossos dias, a par de muitas provas de bom senso, têm dado outras, e não poucas, de vaidosa ostentação (...) minuciosidades inúteis, afirmações pouco verdadeiras."
Não, esta frase não foi retirada de um jornal. É de José Maria Affreixo, que a escreveu na sua "História da Pedagogia"... em 1883.

José Pacheco
Esxola da Ponte / Vila das Aves


  
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Edição:

N.º 90
Ano 9, Março 2000

Autoria:

José Pacheco
Escola da Ponte, Vila das Aves
José Pacheco
Escola da Ponte, Vila das Aves

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