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Será o Brasil um grande Portugal? Será Portugal um pequeno Brasil?

(a propósito de Cabral, Abril ano 2000)
Perspectiva afectiva e realismo político


"Será que o mundo inteiro se vai transformar num grande Brasil, em países cheios de desigualdades, com guetos para as elites ricas? Pôr esta questão é pegar o touro pelos chifres. É verdade, até a Rússia se vai transformar num Brasil." Mikhail Gorbatchev, Hotel Fairmont, S.Francisco, 1995.(1)
O Brasil, é o maior país da América do Sul, estendendo-se quase 4350 km de Oeste ao Oceano Atlântico, fazendo fronteira com todos os Países do Sul do Continente Americano, exceptuando o Equador e o Chile. Ocupa quase metade da América do Sul e é o 5º maior país do mundo. O seu nome, dizem-nos, deriva do nome de uma árvore. Tornando-se independente em 1822, foi ganhando progressiva importância económica, tendo passado no século XX por fases de ditadura, com governos militares de 1964 a 1985.
Não é um território com grandes montanhas (a sua maior elevação é o Pico da Neblina com 3014 metros). Grande parte do País é coberto de savana (típica das regiões tropicais). Impressionam os seus rios: a rede Paraná - Paraguay-Plata no Sul, o São Francisco no Leste e o Amazonas no Norte, com 6440 km de extensão e o maior caudal do planeta. Navios de grande calado podem percorrer até 1600 Km do Amazonas (que chega a ter profundidades de 90 metros). O rio faz uma "rede" com o Tocantins-Araguaia, o Madeira, o Negro, o Xingú e o Tapajós.
Os recursos naturais deste imenso território são incríveis: ferro, fosfatos, urânio, cobre, bauxite e platina são explorados. Também o ouro aparece desde há séculos pelo País. A maior mina de ouro do mundo encontra-se na Serra Pelada e abriu nos anos 80. A barragem de Itaipú, inaugurada em 1982, possui a maior capacidade geradora de electricidade da Terra.
Descobertas cada vez mais significativas de petróleo como na Bacia de Campos têm vindo a verificar-se. As principais cidades são São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Salvador, Recife e Porto Alegre. Um dos grandes problemas é a extrema juventude da população que poderá duplicar nos próximos 40 anos.
População essa que tem um grande sentimento de unidade nacional - o Brasil é o maior País Lusófono e a maior nação católica do mundo. Debate-se com o problema da iliteracia (cerca de 20% de analfabetos); a educação é obrigatória dos 7 aos 14 anos e o Ensino Secundário é gratuito.
A arte como capacidade de expressão motora e emocional é conhecida mundialmente. Nomes como Heitor Vila-Lobos, os escritores Machado de Assis, Jorge Amado e muitos outros em qualquer área artística (bastaria lembrar a MPB, a Arte Dramática ou mesmo a Arquitectura) são património da cultura universal.
A actividade económica do Brasil é também impressionante: desde a agricultura, pecuária, à produção de automóveis (a nona mundial) passando pela construção naval até à produção de madeira tudo se faz no gigante. Estranhamente, por tudo isto, o Brasil é um dos Países mais endividados
do Mundo. (Coisas...).
Reclamado para Portugal pelo navegador Pedro Álvares Cabral em 1500, o País tornou-se independente pela mão do filho do rei português João VI, Pedro I do Brasil que viria a ser rei de Portugal, como Pedro IV. Para nós, é possível que a unidade linguística, religiosa, a herança de uma casa real, uma forte matriz cultural una, tenham proporcionado ao Brasil uma grande unidade nacional. Tal não se verificou, de resto, na América Espanhola, que se dividiu e sofreu guerras sangrentas pela independência e já depois desta. Curiosamente, a América do Sul constitui uma espécie de grande "anti-Península Ibérica", com um grande "Portugal" rodeado de várias "Espanhas" menores.
No século XX, depois de uma experiência governativa normalmente considerada de "esquerda" de João Goulart, o Brasil viveu uma sucessão de governos militares com presidentes como Ernesto Geisel e João Batista Figueiredo. Tancredo de Almeida Neves, José Sarney, Fernando Collor de Mello, Itamar Franco, e Fernando Henrique Cardoso, constituem até agora os seus mais recentes presidentes, civis e eleitos.
Portugal, o principal criador do Brasil como entidade política, é um pequeno país europeu, com cerca de 90 mil Km2 ( contra mais de 8,5 milhões do Brasil). Independente desde 1143, se exceptuarmos o caso muito pouco significativo da perda de Olivença para Espanha, é o País com mais antigas fronteiras dentro do "Velho Continente". Governado por uma ditadura desde 1926, este País durante muitos anos uma velha presença colonial pluricontinental, ficou reduzido à sua fronteira "europeia" - que inclui os arquipélagos dos Açores e Madeira, depois de 1975.
Portugal é hoje, em muitos aspectos, um país "abrasileirado"; tornou-se uma sociedade multirracial, conheceu um tipo de desenvolvimento desregrado a muitos níveis como no campo educativo, com a proliferação de estabelecimentos de ensino superior público e privado, muitos deles de duvidosa qualidade. Julgamos que o problema que hoje se coloca aos mais diversos níveis tem que ver com isto: produção de riqueza é diferente de distribuição dessa mesma riqueza; PNB é diferente de FNB. (Quer dizer, "Produto Nacional Bruto" é diferente de "Felicidade Nacional Bruta").
Ao longo do século XX, o Brasil foi sendo porto de abrigo dos descontentes portugueses. Durante muito tempo, portugueses pobres como Manuel dos Santos Gomes em 1906, com 12 anos (2) emigraram para o Brasil por motivos económicos. Seriam seguidos por homens como António Sérgio, Humberto Delgado ou Henrique Galvão, opositores políticos de Salazar. Depois da Revolução de 25 de Abril de 1974, seriam Marcelo Caetano, Américo Tomás e outros a fazer o mesmo por motivos políticos também.
Nada disto afectou as relações entre os dois países. Parece-nos evidente que um "caso Pinochet" entre Portugal e Brasil seria impossível. Portugal tem demonstrado boa capacidade de adaptação ao facto de as suas ex-colónias se emanciparem. Hoje o interior de Portugal está vazio. As escolas são fechadas por falta de alunos. Sabemos que a nossa população envelhece cada vez mais (temos cerca de 700 000 idosos); sabemos que enormes áreas do nosso território se encontram despovoadas (como é o caso do interior alentejano); sabemos que o actual sistema de segurança social, baseado na contribuição de muitos para a reforma de alguns se encontra esgotado. Porém não há quem esteja preocupado com este assunto.
E no entanto este problema não seria assim tão difícil de resolver. Se as projecções apontam para uma diminuição populacional no começo do século XXI, é evidente que teremos de substituir os que não nascem por imigrantes. Aqui as opiniões dividem-se: muitos querem negar esta evidência, outros olham para os possíveis imigrantes com um absurdo sentimento de desprezo e superioridade.
Para nós é tempo de Portugal escolher os candidatos à vida no seu território em função da língua (ex-colónias africanas), o que facilita a sua integração, e da sua vontade de ficarem. Vejamos o caso brasileiro: quantos daqueles Sem-Terra não estariam dispostos a mudarem para outro lado do Atlântico, aí se fixando e povoando os interiores abandonados com vantagens evidentes para todos?
Ou será melhor que Portugal continue apenas a ser um "cais de Embarque", vendo as suas aldeias desertas e as escolas fechadas? Não há Pedagogia que resista à dura realidade da escola vazia. Se por uma série de razões ligadas ao modelo social triunfante Portugal não tem crianças, não tem gente, só resta o caminho que tantos já trilharam: a chegada de imigrantes. Com tantos casos tristes na memória, podemos até criar modelos novos de integração social, inventando novos lusitanos e evitando a morte lenta.
Mais do que as belas declarações de amor, são os actos que podem cimentar o entendimento entre os seres humanos.


(1) Citado em "A Armadilha da Globalização, o assalto à democracia e ao bem-estar social", Terramar, Lisboa, 1999, p.175.
(2) Manuel dos Santos Gomes foi o avô materno de Carlos Mota, um dos autores deste texto. Fundou uma pastelaria em Vila Real, Trás-os-Montes, com dinheiro amealhado no Rio de Janeiro.


Maria Gabriel Bulas Cruz
e Carlos Alberto Mota,

docentes da Utad, Vila Real.

Bibliografia:

  • Graham, Lawrence, The Portuguese Military and the State, 1993;
  • Hamilton, Kimberley, Lusophone Africa, Portugal, and the United States 1992;
  • Hans-Peter Martin e Harald Schumann, A Armadilha da Globalização, o assalto à democracia e ao bem-estar social", Lisboa, 1999;
  • Kinzo, M. D., ed., Brazil: Economic, Social, and Political Challenges of the 1990s (1993);
  • Mónica, M. Filomena, Educação e Sociedade no Portugal de Salazar, Lisboa, 1978;
  • Salazar, Oliveira, Discursos e Notas Políticas, Coimbra, 1935/1967, 6 vols;
  • Salazar, Oliveira, "Princípios fundamentais da revolução política", discurso de 30/7/1930, in Nova História de Portugal, Editorial Presença,Vol.XII, p.9;
  • Schneider, R. M., Order and Progress: A Political History of Brazil, 1991;
  • Sérgio, António, Breve Interpretação da História de Portugal (s/d);
  • Stoer, Stephen R., Araújo, Helena C.G., «A contribuição da educação para a formação do Estado Novo: continuidades e rupturas. 1926-1933» in O Estado Novo - Das Origens ao Fim da Autarcia, Editorial Fragmentos, Lisboa, 1987, pp. 125-147;
  • Teodoro, António, A Política Educativa em Portugal, educação, desenvolvimento e participação política dos professores, 1994.

  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 90
Ano 9, Março 2000

Autoria:

Carlos Alberto Mota
Univ. de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), Vila Real
Maria Gabriel Cruz
Univ. de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), Vila Real
Carlos Alberto Mota
Univ. de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), Vila Real
Maria Gabriel Cruz
Univ. de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), Vila Real

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