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Desperdício de Recursos Humanos

De acordo com o questionamento de Corneli Castoriadis em "L'instituition imaginaire de la société", atravessamos um período sonolento, de longa germinação para qualquer coisa de melhor ? ou estamos nós a entrar numa época de regressão histórica onde todas as aquisições ditas de civilização começam a estar ameaçadas: direito ao trabalho, direito à educação, melhor distribuição da riqueza ? ? um momento da história onde tudo parece lento em matéria de pensamento humano, ao mesmo tempo que noutros domínios, técnico e económico, tudo parece ir de feição.
O desperdício, tantas vezes denunciado, fruto do consumismo-produtivismo material, consiste numa utilização abusiva, senão num desaproveitamento, dos recursos naturais (florestas, minas, água, ar, ...) relacionados com o nosso modo de desenvolvimento industrial. Mas existe um outro desperdício, menos falado, talvez não menos dramático: é o desperdício de recursos humanos que o presente sistema produz. Senão vejamos:

  • Como considerar os elevados custos empregues numa formação académica de nível superior sem os devidos aproveitamentos e possibilidades de enriquecimento colectivo que esses diplomas permitem ?
  • Como entender a sub-utilização de certos talentos, competências e experiências de numerosas pessoas, especialmente jovens, sem proporcionar a cada um a possibilidade de desenvolver o seu próprio projecto individual?
  • Como justificar o desemprego ou o baixo nível de empregabilidade de jovens diplomados ?

Paralelamente ouvimos declarar nas diversas tribunas patronais ou governamentais, que a educação "é a prioridade de momento". Face ao panorama existente só podemos no mínimo, ser cépticos.
Reafirmar a vontade contínua de colocar a educação, na sua tripla função, social, económica e ética, é sempre uma atitude estratégica para o presente e para o futuro.
Um sistema de educação deve visar, a formação de jovens capazes de tomar lugar no campo da sociedade e do trabalho, especialmente quando a produção de riqueza se perspectiva, cada vez mais, em sociedades organizadas através da competência dos saberes.
O paradoxo existente apresenta-se complexo. São os responsáveis pela escola que, relativamente aos campos dos saberes, tão limitados, não conseguiram ainda encontrar as estratégias adequadas, em particular, dos domínios do saber fazer? ou, por outro lado, elas são razão de inércia da própria sociedade e das empresas que apresentam uma visão estreita das coisas, não aceitando novas formas de fazer, novas perspectivas de criatividade, em suma, uma não abertura a outras (novas) concepções de tratar os mesmos (velhos) problemas.
Ainda de acordo com Castoriadis não vale a pena perder a paciência, havendo sempre outra maneira de ver as coisas. Se é certo que para o autor é o trabalho a médio e longo prazo que é necessário garantir, especialmente àqueles que agora mais do que nunca estudam e aprendem, para poder tomar o lugar na sociedade de amanhã dita sociedade do saber, também e paralelamente é o conceito de escolarização que deve ser equacionado dando lugar ao conceito de educação. Não podendo a educação, obviamente, substituir-se a um projecto global de desenvolvimento, dele deve fazer parte integrante, na perspectiva em que a educação encerra um sentido mais abrangente que o da escolarização.
Deve-se pois agir, mesmo que lentamente, para um futuro social melhor e imaginar um outro desenvolvimento para o funcionamento das sociedades: querer legar outra coisa que não dívidas ou um ambiente poluído, ou acreditar ainda na procura da igualdade de oportunidades, parecem ser algumas das premissas que só o sistema de educação pode garantir. Elas são antes de tudo a continuação e a reafirmação do investimento nos recursos humanos.
Sensibilizar a sociedade para a utilização de novos recursos humanos de formação superior é, no contexto social actual e acima de tudo, afirmar mais desenvolvimento, mais qualidade que quantidade, lutar contra o desperdício de pessoas formadas com competência e abrir as portas para que os mais jovens possam afirmar a combinação experiência-novidade e, desta forma, terem a oportunidade de sair ganhadores. Só assim cada um sentirá que tem o seu lugar e que o mesmo é respeitado e valorizado.

António Mendes Lopes
Instituto Politécnico de Setúbal


  
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Edição:

N.º 85
Ano 8, Novembro 1999

Autoria:

António Mendes Lopes
Instituto Politécnico de Setúbal
António Mendes Lopes
Instituto Politécnico de Setúbal

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