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Rapaula

1. Vamos falar verdade.

2. A verdade não está fora de ti, não há factos sem interpretações: tu interpretas diferente de mim, mas podemos chegar à mesma interpretação se tu e eu falarmos das mesmas coisas com o mesmo "jogo de linguagemî".

3. Dentro de um jogo de linguagem há só uma verdade, mas nem sempre o teu jogo de linguagem é igual ao meu e, por isso, tenho de perguntar: porque é que a tua verdade não é a minha?

4. As palavras são como etiquetas e tu ou eu não as colocamos nas mesmas "coisas", por isso, dizemos as mesmas palavras, mas interpretamos "coisas" diferentes. Não jogamos o mesmo jogo.

Refrão

Todos: A verdade-consenso, não é a do senso-comum, nem a soma das opiniões de cada um. A verdade-consenso só tem uma imagem: é a verdade da melhor razão a que chegam todas as razões que aceitam "jogar" o mesmo "jogo de linguagem".

5. E nesta recapitulação também devemos lembrar as verdades do coração. Não chega demonstrar, impondo sem discussão. Há verdades que aumentam de graduação pela persuasão.

6. Se queres persuadir não podes demonstrar sem discussão. Tens de procurar o "lugar do preferivel." Posso sentir-me mais seguro no "lugar" da eficácia e, então, não me peças a divagação.

7. Para organizares a tua argumentação tens de saber estruturar os teus argumentos por forma a que eu presuma que tudo o que me dizes é incontroverso.

8. Mas a argumentação não deve ser manipulação. Tem Platão razão quando pensa que o sofista é um retórico que, abusando da arte de saber falar, se torna num charlatão.

9. Na obra "O Sofista" ouve, então, o que diz Platão: "Não devemos admitir que também o discurso permita uma técnica por meio da qual se poderá levar aos ouvidos de jovens, ainda separados por uma longa distância da verdade das coisas, palavras mágicas, e apresentar, a propósito de todas as coisas, ficções verbais, dando-lhes assim a ilusão de ser verdadeiro tudo o que ouvem e de que, quem assim lhes fala, tudo conhece, melhor do que ninguém."

10. A arte da argumentação não pode ser a armadilha do charlatão. Tudo deve estar em competição e persuadir e, também, saber ouvir, porque a tua razão É mais forte, quando ouve a minha na nossa discussão. A verdade não é minha, nem é tua é a que havemos de encontrar no consenso da discussão.

11 .A nova retórica é a filosofia do razoável. Surgiu com a própria filosofia e com a democracia, pois acabou com a autoridade de um só. Agora não abanamos só com a cabeça de cima para baixo, mas também de um lado para o outro. Não há só sim, nem só não: há "sim" e "não" e também há o "talvez".

12. E agora vamos ver se há diferença entre o saber e o conhecer.

13. O saber é o que fica depois de conhecer. A ciência, a filosofia são saberes diferentes. Só digo que é científico um saber que pode ser sujeito a testes e, por isso, refutável. Só digo que é filosofia quando o saber é pessoal: uma sabedoria.

14. O que é então conhecer?

15. Conheço primeiro pela percepção. A percepção não é uma sensação, porque tomo-a numa interpretação. Não vejo as coisas como elas são, mas como aprendi a vê-las pela educação.

16 .Qual a origem do conhecimento?

17. Tudo depende do teu entender: Se és empirista tens uma solução; se és racionalista tens outra solução; se és construtivista nem dizes que só os sentidos ou só a razão são fontes de construção.

18. Que grande reinação. E então: qual o valor do conhecimento?

19. Depende da consideração que tu tiveres pelas fontes do conhecimento. Se pensas ter adquirido a verdade tens uma posição, se não ficas na negação. O dogmatismo dá-te a primeira posição; o cepticismo deixa-te na negação.

20. Há uma diferença de aceitação entre o probabilismo e o pragmatismo. O que é provável não é o mesmo que o que é eficaz. Na probabilidade tens uma verdade que resulta duma lógica da matemática, na eficácia ficas com a verdade da lógica do interesse.

21. Teremos conhecimentos prévios às coisas. Para que eu saiba que isto é um lápis não terei de ter o conhecimento dum lápis?

22. A esta interrogação, obténs do racionalismo e do idealismo uma afirmação.

23. A filosofia da ciência pretende analisar o que a ciência é, a natureza do seu conhecimento e o que pode conhecer.

24. Então diz-me lá: o que é que poderei saber da Nova Filosofia da Ciência?

25. O Positivismo e o neopositivismo defendiam que os juízos de ciência eram observacionais, pois os testes verificavam a sua verdade. O racionalismo crítico vai opor-se ao positivismo para dizer que os testes nada podem provar, pois não se pode dizer que sempre acontecerá tal como aconteceu. Só podes testar para refutar ou corroborar.

26. Ficas a saber que a ciência não se define por critérios internalistas, não é um conhecimento demonstrado por regras ou por testes, mas é um saber integrado num paradigma ou "jogo de linguagem" e um jogo de linguagem manifesta sempre uma "visão do mundo".

27. Por isso, toma atenção: massa, tempo e espaço não è para Enstein o mesmo que é para Newton, pois é no interior dum paradigma que os conceitos e as teorias jogam o seu jogo, bem como as suas aplicações.

Todos: Com a verdade me enganas se não falarmos o mesmo "jogo de linguagem"

João Baptista Magalhães
Professor de Filosofia


  
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Edição:

N.º 85
Ano 8, Novembro 1999

Autoria:

João Baptista Magalhães
Professor de Filosofia, Porto
João Baptista Magalhães
Professor de Filosofia, Porto

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