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Infâncias Perdidas

Como é que uma criança sobrevive a uma infância sem referências e sem carinho? Uma resposta possível é que nem sempre sobrevive, Outra é que sobrevive nas condições mais incríveis. Outra é que é obrigada a sobreviver da maneira que os adultos consideram mais adequada. Três hipóteses seguidas de três casos reais de miúdos, perto da adolescência, que foram noticiados recentemente nos meios de comunicação social ingleses. Custa a acreditar nestas histórias. Cada uma é particularmente invulgar. Para além disso, cada uma delas prova que a intervenção dos adultos em casos de infâncias invulgares não é nada fácil. Por muitos técnicos que haja, por muito boa vontade que se tenha.
Como é que uma menina de 13 anos, que vive com o namorado, encontra o fim da vida por consumir uma dose exagerada de drogas? Como é que passam pela sua curta vida mais de 200 profissionais da segurança social? Era uma criança filha de pais separados, oriundos da Jordânia. Era uma menina que dizia que se prostituía e que se drogava. Nunca deve ter sido levada a sério. Pelas fotos dos jornais, vê-se que era uma menina bonita. Mesmo que não fosse... Era uma menina. Simplesmente uma menina, que nasceu numa família sem futuro e que não gostava de estar entregue aos cuidados do Estado. Fugia e ninguém sabia o que fazer com ela. Morreu. Uma infância difícil com um final dramático.
Como é que um menino de quatro ou cinco anos sobrevive meses a fio - não se sabe quantos - na selva do Uganda? Como é possível que tenha sido alimentado e protegido por um grupo de macacos? Foi levado para a selva pelos pais, que fugiam de uma guerra civil. Desapareceram. Não se sabe se foram apanhados numa emboscada. Não se sabe se o pai matou a mãe e depois se suicidou. O menino diz que viu o pai matar a mãe e que ele, criança pequena, fugiu da fúria do pai. Pormenores não se sabem. Sabe-se que uma senhora, que um dia estendia a roupa, foi atacada por um bando de pequenos macacos e entre eles vinha ser estranho. Era uma menino com um comportamento estranho. Foi adoptado pelo casal que gere o orfanato da terra. Dão-lhe carinho e ensinam-no a portar-se como um rapazinho. A responsável por um parque natural já lhe ofereceu emprego, por ele saber lidar com os macacos como ninguém. Pode ser difícil de acreditar nesta história mas quem a conta nos media ingleses garante que é verdade. Uma infância anormal com um final que é talvez o mais feliz possível.
Como é que uma menina de 12 anos é confrontada com uma gravidez? Como é que o responsável pela Igreja da Escócia se oferece para lhe dar dinheiro para, em vez de fazer um aborto, ter a criança e criá-la? A menina, que ainda nem chegou à adolescência, é filha de um casal que está no desemprego. Os adultos é que estão a decidir o futuro da menina e da criança que está a gerar. Estão a tratar de uma situação como se de uma pessoa crescida se tratasse. A igreja enquadra-a num projecto de apoio financeiro a mães desamparadas. Depois da intervenção dos media, já é quase certo que a menina vai levar a gravidez até ao fim, apesar da pressão dos grupos pró-interrupção da gravidez em casos como este. Provavelmente, quando o bebé tiver poucas semanas de vida vai dar-lhe molho de "barbecue" e coca-cola num qualquer restaurante do MacDonalds, como uma mãe adolescente que vi há bem pouco tempo. Não vai ter tempo para crescer. Provavelmente vai ver o filho como um colega de brincadeira. Uma infância inacabada com um final ainda desconhecido.
Claro que estes são casos pontuais. Claro que por cada um destes dramas existem muitos casos de crianças com infâncias felizes e equilibradas. Mas cada uma destas histórias, mais ou menos invulgar, faz pensar. Faz pensar no sistema que nem sempre protege as crianças. Mas faz também pensar em pessoas que ainda são capazes de resolver situações de crianças em risco. E ainda permite questionar se, ao tentar ajudar, não se está a complicar. O que é que poderia ter mudado a vida destas crianças? O que é que ainda pode mudar a vida das crianças que precisam? Tenho muitas dúvidas e poucas certezas.

Hália Costa Santos
Universidade de Leicester/UK


  
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Edição:

N.º 85
Ano 8, Novembro 1999

Autoria:

Hália Costa Santos
Jornalista
Hália Costa Santos
Jornalista

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