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E eu que Pensava que Podia Agir Sempre Igual!

"Para os Senhores ministros da Educação e da Ciência"

É o que os meninos comentavam. Numa das sessões que temos vindo fazer ao longo do tempo. Com essa equipa toda em Portugal, na Espanha, na França, no Chile, em Angola, no Brasil, em outros sítios. Essa equipa que me tem permitido viver a Antropologia da Educação. Essa Antropologia que nos faz viver de forma diferente, quando pesquisamos. E depois. E durante. E nos sonhos. E na interacção. Que nos confronta ao poder público que gere o nosso Estado. Essa, que Meyer Fortes, tantas vezes referido nos meus trabalhos, empurrou entre os Tallensi do Trans-Volta, na antiga Ghana, anos volvidos já. E no nosso imaginário. Porque nunca tinha eu pensado que havia esses agires propositados, incumbidos na mente. Na mente desse ser que está a entender, a pouco e pouco, o que no mundo anda a acontecer. E que o surpreende as tantas, e as tantas o deixa igual. O pai não quer, é uma frase reiterada nas culturas; a mãe não deixa, seria outra; se o tio souber E a vizinha? E o Senhor Padre? E o professor? E o que lhe aconteceu ao Capuchinho Vermelho por não aceitar?: o lobo a comeu., Sr Doutor. A Catequese já diz que é preciso obedecer . A qual de todos, é o que a catequese não diz. Mas, nestes países latinos, bem como nos outros que tenho andado de crendices não universais, o ensino do que e como fazer, está definido. Da forma heterogénea que eu gosto bisbilhotar. Da forma heterogénea que o grupo onde calha andar, me diz. No seu dizer, no seu fazer.

1.Onde o íntimo,
fica dentro de quatro paredes, dentro do denominado lar. Ou, assim parece. Aí começa e empatia simpática, caro leitor, é dizer, o esticar dos braços e da boca, para quem a pequenada ama. Sempre, a mãe. Não me perguntem a mim porquê sempre a mãe. Já falei, já outros falaram, já foi mais do que investigado pelos eruditos que nos dizem o quê fazer e o quê entender. Mesmo que queiramos fazer e entender o nosso. O íntimo, é esse carinho de comunicação sem portas fechadas. Donde, tu es o meu trabalho da semana, o meu descanso do domingo, a minha conversa quotidiana, o sol que me ilumina, o meu repouso e o meu norte de Greenwich. O íntimo, esse sentimento irresistível de querer estar ao pé desse ser. Com amor, ódio, alegria, raiva, confiança, desejo. Uma conjunção de sentimentos existentes no ser, que dele faz ser. Ser humano. Não entidade. A irresistível memória de sermos idolatrados. A irresistível noite que apaga as estrelas vermelhas das feridas. Das feridas naturais da interacção entre os que convivem. E são autónomos. Intimidade aprendida no canto primário das quatro paredes, e transferida ao aglomerado de seres entre os quais a história nos faz andar. Transferida no agir, no interagir. Intimidade que faz de nós, autónomos e individuais. Cadencia em Sol Maior, que fez Beethoven compor as suas variações da Flauta Encantada do Mozart. Com esse violoncelo que diz, em frente de mim, este senhor é o doutor; longe de mim, é como eu digo. Mas, a heterogénea intimidade é transferida e o doutor é o parvo que não sabe brincar à bola. Como essa outra variação em Fa maior, quando Papageno fabrica desenfreadamente, sua Papagena. A intimidade, é a manipulação que a meninada faz das hierarquias sociais e catequéticas, aprendidas na interacção amorosa do lar e racionalizadas na transferencia do aprendido, a esses cansativos doutores que andam a pôr o seu nariz no meu. Ou os vizinhos, ou os pais, quando nós, adultos, queríamos fazer, e eles diziam que não sabíamos nem como nem o quê. E permite-lhes dizer, isto, já contigo não é. A intimidade, um sentimento.

2.O privado,
um conhecimento. Um conhecimento que retiro da conveniência da intimidade, para sermos felizes ao calar a falta á intimidade. Como esse Papageno que grita e chora, nas provas a serem feitas para ser membro em interacção com outros específicos. E que, quando aparece Papagena, ri e canta, porque já não está mais só. Porque agora pode penetrar com essa pelas avenidas dos Papagenos, fêmeas, machos, machos-fêmeas, fêmeas- machos, pelas avenidas da História. Porém, o contexto do outro é conhecido e respeitado. Daí, as brincadeiras. Que se pregam aos outros só e quando, o fabuloso fica definido apenas entre três ou quatro, e pode-se escapar de ignominiosa realidade conveniente para viver com o aglomerado já referido antes.. Privacidade que, lembro, tivemos essa noite de São João quatro de nós, a andar a retirar vasos de flores dumas casas para meter nas casas dos outros, numa aldeia qualquer de Portugal. Privado observado na passagem de saberes dum puto a outro, no teste da matemática, ou da língua, ou dos namoros contados no pátio da escola. O privado é social. É compartido. Compartido pelos que o combinam e os que o observam e nada dizem. Para ser um bom resultado. Não da intriga, mas de límpida interacção. Da límpida interacção da vida social, e esta seja História Reprodutiva. Como a filha que casa grávida, como o filho que casa abandonando outra, como o marido que tem essa amiga e a mulher o ignora de forma valente. Para que o matrimonio subsista. Para que a família continue. Essa privacidade que o marido também guarda. Para guardar à família. Porque sabe que essa é a relação que interessa e que importa, que perdura, Não é o sacramento o que faz a instituição, é a experiência social que começa no sacramento, a que faz saber que a família é o amor da nossa vida. Donde, a privacidade é a confissão silenciosa a reabilitar sentimentos de serenidade e calma entre pessoas um dia andavam apaixonadas, que no dia a seguir continuam pelo respeito for a .É dizer, pelo carinho do amor. Como o pano final do piano que contracena com o violoncelo na bheetoveniana reconstrução da Flauta Encantada do Mozart. O privado é a intimidade socializada entre iguais. É conveniente, não conveniência.

3. O público
é que é a conveniência. Porque si a sociedade é heterogénea, há mil olhos de opiniões diferentes, a observar. E, para viver o tempo dentro duma cosmogonia harmoniosa, é preciso satisfazer todos, à maneira que esses todos de forma diferenciada, entendem. Porque o social imprime carácter. Definido também socialmente, no social sacramento. Ou no social mito. Ou na social crença. Ou no social símbolo que define o nosso pensamento. Ou na social distância amável, qreira. Todos os quais entendemos que o público, é o processo que hierarquiza, de forma ordenada, a hierarquia da interacção para uma conveniente reprodução no tempo. Da vida social. Das almas. Da lembrança. Do transferir as ideias no âmbito íntimo das pessoas, e assim incutir um comportamento necessário. Donde, todo comportamento é transgressor. E, pela tendência à transgressão, o tabu e criado e o comportamento conveniente, representado. Ideia que deve ficar entre nós, para entendermos como e porquê a criareira. Todos os quais entendemos que o público, é o processo que hierarquiza, de forma ordenada, a hierarquia da interacção para uma conveniente reprodução no tempo. Da vida social. Das almas. Da lembrança. Do transferir as ideias no âmbito íntimo das pessoas, e assim incutir um comportamento necessário. Donde, todo comportamento é transgressor. E, pela tendência à transgressão, o tabu e criado e o comportamento conveniente, representado. Ideia que deve ficar entre nós, para entendermos como e porquê a criança pode aprender, e as vezes, mesmo que aprenda, esbarra. A criança esbarra pela lógica não experimental que o seu entendimento rejeita. A criança procura esse comportamento emocional, que o meu violoncelo das variações citadas, me cantam ao ouvido. E que devem cantar no ouvido do senhor Ministro da Ciência e do Senhor Ministro da Educação. Para que os senhores Ministros façam a sua política conforme o que nós, científicos não políticos nos nossos objectivos, analisamos e escrevemos. Para sermos ouvidos, para sermos consultores úteis socialmente. Unidos aos que gerem os nossos interesses, que acabam por não serem nossos se não somos dessa dita utilidade. O social manda. O social indica que o íntimo e o privado, analisado por nós, sejam a base dos ditados que o povo, no seu voto, manda um governo fazer. O social é, porém, o tempo gerido na base da conjuntura de ontem e de hoje, que nós sabemos apresentar para esclarecer o desenvolvimento. Não para nós morrer ou adoecer na inutilidade do nosso desgaste intelectual. Intimo, privado, público, esse três conceitos que as crianças entendem dentro duma epistemologia velozmente variável, no curto tempo da sua infância. E que nós, adultos, temos acumulado a través do tempo, em pesquisas e textos que os governantes não lêem. Porque o seu tempo é curto para gerir, enquanto que o nosso, como o das crianças que houve, há e haverá, é comprido no saber e na experiência. A criança sabe que não pode agir sempre igual, ainda que não seja consciente de que sabe .Mas, age. E, para a sua surpresa, o adulto manda fazer sempre igual. Porque o adulto já fixou o seu saber e manda que todos façam o mesmo. Mesmo, as crianças. Eis a rejeição ao experimento: esse, o experimento, não muda de idade nem de comportamento por tempo comprido. A criança, nem sempre é igual. E é da observação do íntimo, o privado e o público do agir destas pessoas, que podemos entender como é que eles vão entender. Eis que as frases supra citadas, tenham todo o valor para entender hierarquias, símbolos, interacções, : a interacção lógica entre o comportamento dos três agires, neste texto, falados. Base de todo processo de ensino e aprendizagem, de todo entendimento à dita resistência para experimentar. Interacção que ajuda às políticas de desenvolvimento, se a nossa lógica é ouvida. Entretanto, as crianças continuam a pensar que podiam agir sempre igual, e não era verdade: os pais, os professores, a classe política, punem.

Westminster, 15 de Abril de 1999

Raúl Iturra
Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa (ISCTE) - Lisboa

Bibliografia

  • Beethoven, Ludwig van, 1796-1815, Variações de temas da Flauta Encantada de Mozart.
  • Fortes, Meyer, 1945, The dynamics of clanship among the Tallensi, Tavistock, London.
  • Frazão-Moreira, Amélia, 1994, "Entre favas e ovelhas: categorías do mundo adultoapreendidas pelas crianças, numa aldeia do Alto Douro", em Educação, Sociedade e Culturas, Afrontamento, Porto.
  • Goody, Jack, 1972, The myth of the Bagre, Clarendon, Oxford.
  • Iturra, Raúl,1998, Como era quando não era o que sou, Profedições, Porto.
  • Melo, Rosa Maria, 1999, O mito do Efuko, policopiado, ISCTE, Lisboa.
  • Silva Pereira, Luís, 1999, Doença e saúde entre os Mapuche do sul do Chile, no prelo, ISPA
  • Código de Direito Canónico, (1981) 1983, Conferência Episcopal Portuguesa, Braga.
  • Meus Diários de Campo.
  • Notas dos debates dos seminários da nossa equipa.

  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 80
Ano 8, Maio 1999

Autoria:

Raúl Iturra
Instituto Superior das Ciências do Trabalho e da Empresa, Lisboa
Raúl Iturra
Instituto Superior das Ciências do Trabalho e da Empresa, Lisboa

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