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Há 25 Anos... (III) - Da Repressão à Libertação

"... Quando o povo desfilou
nas ruas em procissão
de novo se processou
a própria revolução.

Mas eram olhos as balas
abraços punhais e lanças
enamoradas as alas
dos soldados e crianças.

(...)

agora ninguém mais cerra
as portas que Abril abriu!

José Carlos Ary dos Santos

O mês de Abril foi vivido em expectativa por todos os que mais ou menos directamente estavam ligados à Oposição Democrática, neles se incluindo os membros dos Grupos de Estudo.

O regime sentia que a Guerra Colonial conduzia a uma derrota a curto prazo e não sabia reagir de outra forma que não fosse agravando a repressão.

O 1º de Maio aproximava-se e aguardava-se uma vaga de prisões antes das comemorações uma vez mais não autorizadas.

Verificaram-se algumas no Porto, mas foi sobretudo em Lisboa que, a 18, foram detidos mais de 20 democratas ligados à actividade intelectual, para além do assalto à tipografia do jornal "Notícias da Amadora", onde acabava de ser impressa a última edição dos Grupos de Estudo - "Professores: que vencimentos?" da autoria de António Teodoro, a qual foi totalmente apreendida.

Depois do ensaio spinolista do 16 de Março, corriam rumores (havia elementos dos GEPDES a cumprir serviço militar) sobre novas movimentações militares de contornos mal definidos.

A nível dos GEPDES viviam-se momentos de expectativa. A reacção da classe ao Despacho 9/74 havia sido imediata, esmagadora, massiva. Mas o Governo revelava sinais de desespero e não eram de excluir medidas mais gravosas como buscas e prisões entre os seus elementos.

O ambiente era tenso. A intensificação da repressão sentia-se iminente. A 19, dois membros dos GEPDES (de Lisboa e Porto) encontram-se às portas de Caxias para visitar familiares, detidos na véspera.

No sábado, 20, teve lugar na Granja (arredores do Porto), aquele que viria a ser o último acto da Oposição Democrática antes do 25 de Abril - a Homenagem ao Professor Óscar Lopes, ao tempo proibido de ensinar Literatura, tal como a sua História da Literatura Portuguesa (em co-autoria com António José Saraiva) estava proibida de ser estudada ou recomendada aos alunos nos liceus do País.

Foi um acto cívico de elevada e qualificada participação, extremamente vigiado (como seria de prever e posteriormente se viria a comprovar).

Foi pois, neste ambiente de cautela e expectativa, mas de firmeza de convicções democráticas que os mais madrugadores ouviram estupefactos, mas entusiasmados, a voz de Joaquim Furtado proclamar logo na manhã de 25 (5ª feira) aos microfones do então Rádio Clube Português:

"Aqui, Posto de Comando
do Movimento das Forças Armadas!"

Com muitas dúvidas que as primeiras horas da acção do MFA iriam dissipando, havia algo que se sentia irreversível: a LIBERDADE reconquistada tinha vindo para ficar!

Cada um viveu o seu 25 de Abril, mas na luta colectiva que os professores vinham travando há mais de três anos, as suas incidências foram imediatas.

Estava marcada, desde há um mês, para o dia 28 (domingo), a 40ª REUNIÃO NACIONAL dos GEPDES na Figueira da Foz. Nas rápidas trocas de impressões possíveis (agora já sem a PIDE à espreita...) estabeleceu-se que aí se faria a análise da situação e estudariam as medidas a tomar.

Mas, tal não obstou a que, em várias escolas por todo o país tivessem sido encontradas formas diversificadas de, ainda nas 48 horas seguintes, comemorar a Libertação e tomar as primeiras medidas libertadoras.

A ÚLTIMA REUNIÃO NACIONAL DOS GRUPOS DE ESTUDO

Quando se realizou a reunião da Figueira da Foz, muitos aspectos da profundidade e extensão do curso revolucionário estavam ainda mal esclarecidos, o que aconselhava a certa moderação e expectativa.

Após a análise da situação do que se estava a passar a nível do novo poder revolucionário e do que ocorria nas várias escolas do país, foi decidido elaborar um documento de saudação ao MFA no qual se exprimia a esperança de que, na nova situação democrática, se viessem a reunir condições para novos passos no sentido da criação de estruturas associativas para os professores portugueses.

Ninguém se atrevera a antever o que se iria passar nas 48 horas seguintes!

Na 2ª e 3ª feiras (29 e 30), os elementos do Grupo de Estudos do Norte tomaram consciência da dinâmica vivida nas escolas e do entusiasmo e participação dos professores, empenhados em encontrar novas soluções para a sua vivência profissional.

Assim, decidiram que a reunião normal dos GEPDES que deveria ter lugar no dia 30 no Porto, fosse transformada num plenário alargado, onde professores de várias escolas pudessem trocar impressões sobre as melhores formas convergentes e encontrar as soluções mais eficazes e modo de intervenção.

Correspondendo aos apelos que entretanto foram divulgados pela Rádio Renascença, Rádio Club Português e Rádio Televisão, mais de 400 professores de vários pontos do Norte (Braga, Guimarães, Póvoa de Varzim, Monção) reuniram-se nas (até à véspera...) instalações do Secretariado para a Juventude/Mocidade Portuguesa, (entretanto ocupadas pelo Movimento da Juventude Trabalhadora) situadas no 1º andar do nº 604 da Rua Júlio Dinis, no mesmo prédio onde, no 3º andar, a revista "O professor" tinha a sua sede.

O PRIMEIRO SINDICATO DE PROFESSORES

Logo nas primeiras trocas de impressões e intervenções se tornou
evidente que duas preocupações dominavam a assembleia: a imediata constituição de um órgão de classe e a demissão imediata de todods os reitores e directores de liceus e escolas e sua substituição por colegas da confiança dos professores.

Criado o Sindicato (cuja primeira denominação foi "dos Professores
do Norte") foi eleita uma Direcção Provisória (constituida por cerca de 20 professores de todo o Norte, representativos dos vários sectores e constituída por activistas dos Grupos de Estudo ou por colegas que sempre tinham apoiado o movimento) a quem cabia tomar as medidas necessárias para a organização e legalização do Sindicato e dar corpo às reivindicações manifestadas pela classe.

Decidido foi também que no dia seguinte o novo Sindicato se faria representar como tal na manifestação do 1º de Maio, como veio a acontecer com uma expressão muito significativa.

No exercício das suas atribuições a Direcção Provisória veio a convocar para o dia 11 (sábado) um Plenário no Palácio de Cristal.

Participado por mais de 4.000 professores, sucederam-se as intervenções, propostas e moções, tendo sido ratificada a criação do Sindicato e as restantes deliberações do plenário do dia 30.

Costa Carvalho
Escola EB 2/3 de Canidelo


  
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Edição:

N.º 80
Ano 8, Maio 1999

Autoria:

Costa Carvalho
PQND, Escola EB 2/3 de Canidelo
Costa Carvalho
PQND, Escola EB 2/3 de Canidelo

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