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Há 25 Anos... [1]

"Quando Veiga Simão quis travar a luta dos professores"

"A memória é a coisa mais importante do homem"
J. Cardos Pires (1998)

Corria o início do ano de 1974.
Já os "capitães de Abril" conspiravam e disso nem a PIDE sabia...
Os professores, esses, há três anos que se vinham organizando e tinham atingido o ponto mais alto da sua ousadia, legalizando como revista o antigo boletim "O Professor", desencadeando uma vasta campanha "Por uma Associação de Professores" recebida entusiasticamente em todo o país.
Perante a onda crescente do querer de uma classe que se atrevia a lutar pela reconquista dos seus direitos associativos, proibidos desde 1932, o Ministério Veiga Simão, através do seu Secretário de Estado Augusto Ataíde e fazendo de seus correios os Directores Gerais dos Ensinos Preparatório e Secundário, os quais enviam para os Directores das Escolas e Reitores dos liceus ofícios circulares pedindo-lhes que informem a respectiva Direcção-Geral, num deles, dos nomes dos professores ligados aos "Grupos de Estudo" e que no estabelecimento desenvolviam actividade, noutro, se existia na escola algum professor com responsabilidades directivas na revista "O Professor".
A esse tempo, a revista era um órgão de informação devidamente legalizado e inscrito no "Registo de Imprensa" sujeito a Exame Prévio (versão marcelista da abominável censura), estando todos os membros responsáveis (um director e três sub-directores) devidamente identificados, as moradas da sede (Porto-Matosinhos) e delegações (Coimbra e Lisboa) assinaladas (e que correspondiam às residências dos membros da Direcção).
Por outro lado, em cada número da Revista (acabava de sair o segundo) eram indicados os nomes dos "correspondentes" em cada escola, ou seja, os colegas encarregados da difusão e distribuição da Revista.
Como se referiu acima, a Revista assumiu em Outubro de 1973 a nova legalizada de acordo com as leis marcelistas do boletim "Cadernos O Professor" que surgira pela primeira vez nas escolas em Julho de 1971, como órgão oficial dos Grupos de Estudos do Pessoal Docente do Ensino Secundário e Preparatório (GEPDES).
Esta estrutura tinha sido a forma adoptada por professores de vários pontos do país que se movimentaram no ano de 1970/71, lutando pela estabilidade de emprego (84,2% dos docentes em exercício no país eram provisórios ou eventuais e não tinham garantia de emprego e apenas ganhavam durante nove ou dez meses por ano), por um Estatuto dignificado, por Associação de Professores.
A primeira reunião nacional dos GEPDES teve lugar em Coimbra em 6 de Março de 1971 e a ela se seguiram outras 39 realizadas em diversas cidades até 28 de Abril de 1974.
Registe-se que este comportamento policial do Ministério surpreendeu os directores, reitores e professores, por se tratar de prática inédita, pela sua contradição com a tão apregoada liberalização do regime, com os discursos pomposos de Veiga Simão (por toda a parte interpela sobre os "gorilas" que impôs nas Faculdades, substituindo-se ao ministro das polícias de há 25 anos, para reprimir os estudantes, que se limitou a antecipar aos actuais seguranças... enfim, o magistral retrato que entra todas as semanas nas nossas casas através da "Contra-Informação" - o Velho Simão.
Dele disse António Teodoro:
"Vindo da Universidade de (então) Lourenço Marques, Veiga Simão entra para o Ministério da Educação. Apresentado como "liberalizante", é-lhe posta como principal tarefa a realização de uma grande reforma do Ensino.
Na sua tomada de posse, em Janeiro de 1970, declara que "educar todos os portugueses, onde quer que se encontrem (...) é o princípio sagrado de valor absoluto e de transcendente importância à escala nacional". Para, mais adiante, acrescentar, citando Whitehead: "Uma Nação que não valoriza devidamente a inteligência está condenada".(1)
E noutra oportunidade:
"Depois de um longo período de compromisso entre a burguesia latifundiária e os grandes grupos monopolistas, é em 1971 que Veiga Simão, em pleno desenrolar da grande manobra "liberalizante" de Marcelo Caetano, procede ao anúncio de uma grande "reforma do ensino", visando, então, o ajustamento do sistema escolar às novas necessidades económicas resultantes da fusão entre os monopólios e o Estado". (2)
E Stephen Stoer afirma:
"Assim, e nesta perspectiva, a Reforma Veiga Simão não fora elaborada para "democratizar Portugal", sendo até enganadora a expressão "democratização do ensino", pois o seu real valor, como base para ampliar a elite dirigente do país, não só não tinha como principal objectivo tornar a população portuguesa politicamente activa e participativa, mas, pelo contrário, almejava manter e consolidar ainda mais o controlo político, sob a capa de maiores benefícios no sector da educação". (3)
Sobre os objectivos, os ambientes e condicionalismo em que foi lançada a "reforma" e se processou a sua discussão recorda Rui Grácio:
"Se, como vimos, um ensino modernizado devia contribuir para preparar os cidadãos para a "liberdade responsável" e a "participação activa" no progresso nacional, o mesmo espírito deveria animar as discussões acerca dos projectos de reforma durante o curto período de três meses fixado pelo ministro. O mesmo espírito de liberdade responsável e de participação activa era preconizado por outros elementos governamentais, se bem que de escalão menos importante: secretários ou subsecretários de Estado da Indústria, do Trabalho, do Planeamento, tidos como pertencendo à ala tecnocrática e liberal do caetanismo. Vieram a ser, como o próprio ministro da Educação, ultrapassados nos seus desiderata por uma situação política bloqueada, em que, no campo do regime, as forças da "continuidade" lograram impedir toda a "renovação" significativa.
No sector da educação nacional, dois acontecimentos, que é possível, pelo menos em parte, articular à consulta pública já mencionada, ilustram de maneira que reputamos assaz esclarecedora as condições e os limites daquela "liberdade" e daquela "participação". Mas os dois acontecimentos em causa - um "congresso de professores" e um movimento reivindicativo de professores - ilustram também, numa história que se acelera, as limitações impostas ao poder por aqueles mesmos que se decidem a utilizar, por seu alvedrio e a seu jeito, a "liberdade" e a "participação" que lhes são outorgadas por graça do mesmo poder". (4)
Bem elucidativo da contradição entre os liberalizantes propósitos proclamados e a realidade da repressão é o seguinte telegrama de Santos Simões:

Senhor Ministro da Educação Nacional
Lisboa

Excelência:
Tendo sido convidado realizar colóquio Cooperativa Cooprave de Riba d'Ave sobre textos programáticos publicados Vexª acabo receber informação o mesmo foi proibido. Parece-me urgente intervenção Vexª a fim esclarecer se projecto apresentado ao país é para discutir ou impor.
6/2/71 (5)

A "operação" de Fevereiro de 1974, essencial e aparentemente visando atingir a revista "O Professor" foi precedida de uma onda de boatos, cuja origem nunca foi possível apurar, nas escolas sobre o perigo de envolvimento com elementos dos GEPDES e sobre riscos que a actividade destes podia envolver.
O que aqui se relata não seria mais do que um primeiro acto de novas atitudes, de bastante maior gravidade, que viriam a ser desencadeadas um mês mais tarde e as quais nos propomos abordar em próxima oportunidade.

Costa Carvalho
Escola EB 2/3 de Canidelo / V. N. Gaia

(1)"O Professor" nº 10 (Nova Série) - Julho 1978
(2)"Sobre as qualificações escolares e profissionais dos trabalhadores portugueses", Cadernos Seara Nova, 1977
(3) "Educação e Mudança Social em Portugal - 1970-1980, Uma Década de Transição" - Edições Afrontamento, 1986
(4) "O Congresso do Ensino Liceal e os Grupos de Estudo do Pessoal Docente do Ensino Secundário: uma alternativa sob o caetanismo" (1981) - Obra Completa - III - Fundação Calouste Gulbenkian", 1996
(5) "Ensino - Projecto de Reforma ou Reforma do Projecto" - Razão Actual, 1971


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 78
Ano 8, Março 1999

Autoria:

Costa Carvalho
PQND, Escola EB 2/3 de Canidelo
Costa Carvalho
PQND, Escola EB 2/3 de Canidelo

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