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O Lazer ... Uma Resposta aos Desafios Colectivos

A imaginação nós têmo-la todos.
Se não houver transformação no presente
como é que o futuro pode ter sentido.

S. Gendreau

 

Num período em que a intervenção da actividade humana e social é tão complexa e a procura de uma coerência para a acção tão difícil, o lazer jamais colocou um desafio tão grande à sociedade como neste final de século. Este desafio interpela todos os intervenientes, a todos os níveis, especialmente os do sector público.

A existência de uma coerência no mundo do lazer, frequente até final dos anos 1970, não existe hoje, suscitando, por isso, alguma nostalgia. As metas e as orientações eram claras e os papéis dos intervenientes bem definidos e concertados com vista à prossecução das acções.

Estas estavam centradas sobre o indivíduo, reconhecendo-se à sua experiência em lazer, um momento de liberdade e de espontaneidade, prolongados nas motivações e nas aspirações infinitamente variadas de cada um.

Este direito universal, ainda actualmente longe de estar reconhecido, apresentava-se com as adequadas estratégias de acção, permitindo suscitar a participação activa dos cidadãos, tomando estes em mãos o seu usufruto.

Por essa altura desenvolviam-se políticas de conjunto, onde os papéis do Estado, dos municípios e do mundo associativo se consideravam fundamentais para fornecer uma certa coerência à intervenção. Sabia-se para onde ir, como ir e, sobretudo, disponibilizavam-se os recursos para o fazer.

A situação deste final de século não parece corresponder ao retrato anteriormente apresentado. Os contextos social e económico nos quais vivemos tornam, nos dias de hoje, o exercício do direito ao lazer para todos, um tanto ou quanto, comprometido comparativamente com a situação de à vinte anos atrás. Este grande objectivo social está em questão, principalmente por parte dos poderes públicos. Eles que outrora foram os principais promotores e fornecedores de recursos, demitem-se presentemente, não somente em termos de apoio financeiro para as diversas acções, mas sobretudo quanto às novas orientações, parecendo colocar o mundo do lazer num lugar menor das suas preocupações sociais.

Mas se por um lado é nítido o desinvestimento público no lazer, por outro o confronto interno das sociedades de hoje, com todo o tipo de problemas sociais e económicos, quase que o torna uma miragem para aqueles que dele mais necessitam.

É uma realidade nos dias que correm que o contexto económico internacional, o da globalização dos mercados, tem criado muitas dificuldades e conduzido ao encerramento de milhares de empresas, limitando-se os Estados a constatar que esse facto produz um maior empobrecimento de várias camadas da população.

É também indiscutível que as sociedades estão confrontadas com fenómenos sociais e económicos relativamente aos quais devem aprender a coabitar: a pobreza, a itinerância, a criminalidade, a violência, o isolamento social , a mutação dos valores que emana das problemáticas relativas aos jovens, à familia, às pessoas de idade, às comunidades étnicas, às instituições em crise, são alguns dos problemas da actualidade. Todos estes fenómenos interpelam as sociedades e convidam à imaginação quanto às escolhas da intervenção.

Neste contexto que sentido tem falar de "direito ao lazer" e à "qualidade de vida" ?

Todo. É neste contexto de restruturação social e económica que a "qualidade de vida" se deve tornar uma grande finalidade e um grande desafio para os intervenientes do sector público. Trata-se, de facto, de agir num envolvimento onde reina a incerteza, a complexidade, a ambiguidade e as contradições. Mas é nestes contextos de crise, e sobretudo nos vários níveis de intervenção, que os organismos públicos, vocacionados para desenvolver programas de lazer, devem actuar e, desta forma, fazer face a um envolvimento que está em permanente movimentação, num fenómeno que nada tem de passageiro.

Uma actuação que através da criação de acções de ocupação recreativa do tempo, pode contribuir para fazer face aos problemas sociais relacionados com a pobreza, a integração das comunidades étnicas, os excluídos, a população idosa, a família, os jovens ou as mulheres. Para tal, os poderes públicos devem reconhecer o lazer, não como uma manifesta expressão das liberdades individuais, que por sinal não favorecem a maior parte da população, mas essencialmente como um meio de auxílio aos problemas com que são actualmente confrontadas as sociedades em geral e, mais precisamente, os diversos grupos de cidadãos de menores recursos. Senão vejamos:

Não estão sempre excluídas, por razões de pobreza, as pessoas de fracos rendimentos de poderem exprimir os seus interesses e os seus valores em matéria de lazer ?

Não é verdade que o lazer permite às pessoas, nas suas diversas formas, partilhar diferentes culturas e, consequentemente, quebrar o isolamento e suscitar contactos entre os vários grupos étnicos ?

Não será uma evidência que, relativamente ao previsto envelhecimento das populações, o lazer pode representar um valor terapêutico e preventivo, permitindo economizar em serviços sociais e em despesas de saúde ?

Não poderá o lazer, face às novas realidades de ameaça à família, pela atitude mental e física que proporciona, favorecer a sua unidade e relações mais sãs, solidas e solidárias entre os seus membros ?

Não serão as actividades de lazer um meio de superar determinadas tendências comportamentais que caracterizam o grupo etário dos jovens, como o suicídio, a toxicodependência, o abandono escolar, o desemprego ou a delinquência ?

Não será a intervenção em lazer, nas relações dos indivíduos com o envolvimento natural, quando realizadas equilibradamente, um bom meio de educação para a saúde e a preservação do ambiente ?

Os desafios que os poderes públicos intervenientes em lazer têm em mãos, nunca tiveram tanta actualidade. Bom seria que os diferentes actores, que têm essa responsabilidade em meios, sectores e patamares diversos, entendessem as novas formas de contribuir para a resolução dos problemas sociais. Para o fazerem têm que chamar a si a iniciativa e assegurar os meios, os equipamentos e os programas necessários. Se o fizerem, estão a dar um contributo para minimizar os efeitos nefastos da falta de qualidade de vida e bem estar de diversas camadas da população.

Montréal, Fevereiro 1999

António Mendes Lopes
Centro Estudos Geográficos /UL
Instituto Politécnico de Setúbal


  
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Edição:

N.º 78
Ano 8, Março 1999

Autoria:

António Mendes Lopes
Instituto Politécnico de Setúbal
António Mendes Lopes
Instituto Politécnico de Setúbal

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